No Sudeste, digo que o sabor se manifesta por meio da memória. Isso porque a mesa dos estados que compõem a região é recheada de tradições e referências que foram ganhando atualizações e novos jeitinhos de conquistar o nosso paladar.
Na busca pelos sabores do Brasil, a viagem nesta parte do país nos presenteia com torresmo crocante, queijos maturados e até vinhos que nascem de uvas de terras antes consideradas improváveis.
Para dar pontapé à jornada pelo Sudeste, desembarquei com a temporada especial CNN Viagem & Gastronomia: Sabores do Brasil no Vale do Paraíba, região histórica entre as serras da Mantiqueira e do Mar que entrega paisagens fascinantes e que se apoia na tradição alimentar como traço identitário e de desenvolvimento.
Afinal, os arredores tiveram papel fundamental no Ciclo do Café e hoje nos deparamos com um polo tecnológico que se debruça também em pesquisas de alimentos. Na cidade de Guaratinguetá, isso se traduz por meio de plantações de arroz, um dos símbolos mais fortes do Brasil.
O arroz de todo dia
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O Vale do Paraíba cultiva uma importante tradição na rizicultura nacional, sendo uma das principais regiões produtoras do estado de São Paulo.
“O arroz é um dos alimentos mais presentes na mesa do brasileiro. As pessoas conhecem o saquinho de arroz, mas não imaginam o que é uma lavoura de arroz. Ela é rica, generosa e diversa, não somente a respeito de animais e plantas, mas também no quesito de pessoas”, diz o chef Alex Atala, que me acompanhou neste mergulho na história e nas inovações deste que é um dos alimentos mais importantes da nutrição humana.
Os primórdios do arroz são difusos, mas especialistas relatam que o cereal já era cultivado por volta do ano 3.000 a.C., com origem no sudeste asiático.
Indiscutivelmente essencial na dieta brasileira, o arroz teria ocorrido de forma espontânea no país e passou a ser cultivado em diversas terras por colonizadores portugueses, como no Maranhão, Pernambuco, Pará e Bahia.
A partir de 1808, com a abertura dos portos por Dom João 6º, o país começou a receber maiores quantidades de arroz, o que impulsionou sua popularidade e a introdução nas refeições diárias ao longo do tempo.
Hoje, é impossível pensar no nosso prato de cada dia sem o imbatível feijão com arroz. Em média, o Brasil produz cerca de 10 milhões de toneladas do cereal em cada safra, tornando-o um dos maiores produtores da América e colocando-o entre os 15 maiores do mundo, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Diante da diversidade de alimentos no Brasil, Alex Atala é categórico ao nomear a mandioca como a rainha do Brasil, como me contou em um almoço especial no estrelado D.O.M. Lancei então a provocação: seria o arroz o rei do país?
“O arroz é o combustível, é o de todo dia. A mandioca tem seu lugar, carrega uma beleza histórica, mas o arroz carrega a força do trabalho do dia a dia”, arremata o chef.
Arrozes especiais
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Mini Arroz vermelho tem dulçor e apresenta bastante fibra em sua estrutura • CNN Viagem & Gastronomia
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Diferentes tipos de arroz cultivados e produzidos no Vale do Paraíba • CNN Viagem & Gastronomia
E além do popular arroz branco, o Vale do Paraíba dá um passo além, já que a região desponta na produção e na pesquisa de arrozes especiais.
O que difere o arroz branco do arroz especial? “São grãos que normalmente têm uma menor produção e sonham em ter um maior valor agregado no mercado. Mas para cumprir essa missão, ele tem que entregar cor, aroma, textura e, fundamentalmente, sabor”, explica Atala.
No Vale do Paraíba, uma das referências do assunto é a Ruzene, especializada na produção de arrozes especiais. “Iniciamos com o arroz preto e depois fomos para outros cultivares. Fizemos nossos cruzamentos também”, diz Maria Ruzene, engenheira agrônoma, enquanto andamos pelo campo de pesquisa.
Além do arroz preto, daqui saem arroz arbóreo, basmati, jasmim, vermelho, mini arroz e mini arroz preto piagui, para citar alguns. Tudo isso envolve investimentos em pesquisa e tecnologia, mas quando olho para o campo, enxergo o ser humano e suas habilidades passadas de geração em geração.
“Temos centenas de milhares de tipos de arroz no mundo inteiro. Por aqui, abrangemos apenas por volta de 10 a 12 variedades”, mostra José Francisco Ruzene Junior, diretor administrativo da Ruzene. Ao seu lado, vejo exemplares da produção da empresa, incluindo arroz branco, integral e arbóreo.
O branco, mais comum em nossas mesas, é chamado assim por passar por um processo de refinamento que remove a casca e o farelo. O integral, como o nome diz, mantém a casca e o farelo, sendo rico em fibras, com textura mais firme. Já o arbóreo é um tipo italiano de grão curto e arredondado rico em amido – ideal para risotos.
Para coroar a visita, Maria preparou arrozes cozidos só em água para destacar o sabor. Característico pela cor avermelhada, o mini arroz vermelho é um tipo que, na boca, tem certo dulçor e bastante fibra em sua estrutura. Meu favorito é o mini arroz preto, bastante aromático e com tempo de cozimento mais demorado.
Arroz na mesa
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Além de citar diferentes tipos de arroz, nada melhor do que experimentá-los em uma receita caprichada. O escolhido da vez foi o mini arroz de Guaratinguetá, com grãos muito pequenos e arredondados, textura macia e aroma suave.
Junto de Alex Atala, combinei um almoço no Dalva e Dito, que completou 15 anos de trajetória no ano passado. Aberto em 2009 nos Jardins, a casa assinada por Atala se debruça na cozinha brasileira e nos nossos “brasileirismos”.
À mesa, o chef Netto Moreira, que toca o endereço no dia a dia, nos serviu um mini arroz de polvo com camarão e brócolis, prato presente no menu regular da casa. A pedida deixa Alex feliz com o sabor. E qual importância de fazer essa ponte entre a mesa e os produtores?
“É uma prerrogativa do momento que a gente vive na cozinha atual. Não é só cuidar bem do cliente, é cuidar bem do produto e do homem que produz esse ingrediente. Sem isso, nada faz sentido. Assim, a gastronomia mostra que ela não é só alimentação, mas toda uma cadeia e ao mesmo tempo a rede social mais forte do mundo”, finaliza o chef.
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