SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pressionado pela Rússia, insatisfeita com a falta de objetividade dos contatos americanos, o presidente Donald Trump entrou pessoalmente em campo e falou nesta quarta (12) com os colegas Vladimir Putin e Volodimir Zelenski sobre a abertura de uma negociação para dar fim à Guerra da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, seu novo secretário de Defesa sugeriu a partilha da Ucrânia como resultado do conflito, considerando as fronteiras pré-2014 irrealistas.
O republicano ligou primeiro para o russo, desta vez oficialmente: no fim de semana, ele havia dito ter conversado com Putin várias vezes, o que foi negado por diversas pessoas ligadas ao Kremlin, como a Folha de S.Paulo mostrou na segunda (10).
Na rede trumpista Truth Social, o americano disse que ele acordou com Putin “ter nossas respectivas equipes começando a negociar imediatamente”. O Kremlin confirmou o contato e disse que o presidente russo convidou Trump para visitar Moscou.
“Cada um de nós falou sobre as forças de nossas respectivas nações e o grande benefício que teremos um dia ao trabalharmos juntos. Mas primeiro, como ambos concordamos, queremos parar as milhões de mortes que estão ocorrendo na guerra entre Rússia e Ucrânia”, escreveu.
Depois, o americano ligou para Zelenski, com quem também manteve um vaivém de tom recente. “A conversa foi muito boa. Ele, como o presidente Putin, quer a paz”, escreveu. O ucraniano confirmou, em termos naturalmente mais contidos.
“Nós falamos sobre oportunidades para chegar à paz, discutimos nossa prontidão para trabalhar juntos”, escreveu Zelenski no X, completando que isso incluía “as capacidades tecnológicas da Ucrânia, incluindo drones e outras indústrias avançadas”.
Mais cedo, o secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth, havia dado um cavalo de pau no discurso público dos EUA sobre a guerra, admitindo que a Ucrânia teria de se contentar com perdas territoriais e basicamente descartando sua admissão à Otan, a aliança militar de 32 membros encabeçada por Washington.
Visitando seus colegas da Otan em Bruxelas, ele disse: “Nós queremos, como vocês, uma Ucrânia soberana e próspera. Mas nós temos de começar a reconhecer que retornar às fronteiras pré-2014 da Ucrânia é um objetivo irrealista. Buscar isso só irá prolongar a guerra”.
São 180 graus de guinada. Até aqui, por mais que nos bastidores isso fosse um segredo de polichinelo, nenhuma alta autoridade americana havia sido clara sobre o tema. Ao citar 2014, ele dá de barato aquilo que a comunidade internacional já havia absorvido antes da guerra iniciada há quase três anos: a anexação da Crimeia, promovida naquele ano por Putin.
Hegseth foi além. “Os EUA não acreditam que a adesão da Ucrânia à Otan seja uma resultante realista de um acordo negociado [para o fim da guerra]”, afirmou, colocando em público o que diplomatas ocidentais falam há mais de um ano.
Até aqui, o discurso da Otan sempre foi o de prometer a vaga para a Otan enquanto fornecia armas para a defesa de Kiev de seus territórios.
Mas os EUA são, de longe, os maiores contribuintes da conta: dos R$ 715 bilhões de ajuda puramente militar dada por 42 aliados da Ucrânia até o fim de outubro, segundo o Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), R$ 358 bilhões são americanos.
Com a mudança de maré nos EUA, resta aos sócios minoritários se adaptarem. Presente ao encontro em Bruxelas, o chanceler francês, Jean-Noel Barrot, disse que a Europa continuaria a oferecer garantias de segurança a Zelenski, mesmo sem o ingresso imediato à Otan.
NEGOCIAÇÃO INCLUI VÁRIOS ATORES
A negociação do lado americano, segundo Trump, envolverá o secretário de Estado, Marco Rubio, o diretor da CIA, John Ratcliffe, o conselheiro de Segurança Nacional, Michael Waltz, e o enviado especial Steve Witkoff.
Witkoff, que tratou do acordo ora em crise de cessar-fogo em Gaza, esteve na Rússia nesta semana para finalizar a libertação de Marc Fogel, americano preso no país desde 2021
As falas de Trump e Hegseth vêm na sequência da péssima reação de Moscou às aberturas iniciais do jogo ucraniano pelos americanos. Moscou vinha contando com diversas manifestações indicando um alinhamento entre o novo presidente e Putin, mas com cautela.
Isso tornou-se irritação nas duas últimas semanas, quando uma miríade de contatos descoordenados entre americanos e russos começou. A Folha falou com uma pessoa próxima do Kremlin que foi procurada por um conhecido republicano na semana passada.
Segundo seu relato, corroborado por outras pessoas em posição privilegiada, ficou claro que Trump não tinha de fato um plano, quanto mais para acabar com a guerra em 24 horas, como havia prometido -depois, expandiu o prazo até seis meses.
Putin colheu a impressão de que seu colega estava mais próximo de Kiev do que parecia, além das rusgas públicas, e deixou isso claro em conversas de seu time com os americanos. Freando a negociação, buscou melhorar sua posição, e tudo indica que teve algum sucesso.
Por outro lado, segue em curso a aproximação pública de Kiev com Washington. Zelenski aceitou a proposta de Trump de negociar apoio militar pregresso e futuro em troca de entregar minerais estratégicos, as chamadas terras-raras usadas na indústria eletrônica de ponta, para os EUA.
Trump falou em irrealistas US$ 500 bilhões em minérios, mas isso faz parte de sua tática negociadora.
O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, esteve nesta quarta em Kiev para discutir a ideia, e sugeriu que o acordo poderia ajudar a garantir a segurança ucraniana depois da guerra. Como, até porque boa parte das jazidas dos minérios está na área ocupada pelos russos, é um mistério.
Do outro lado, há movimentos de boa vontade por parte do Kremlin. A aliada Belarus, por exemplo, mandou soltar três presos políticos, um deles americano, nesta quarta.
CONVERSAS MIGRAM PARA A ALEMANHA
O palco a seguir será a tradicional Conferência de Segurança de Munique, que ocorrerá da sexta (14) ao domingo (16) na cidade alemã. O vice-presidente J.D. Vance e Hegseth estarão lá, assim como o negociador para a guerra de Trump, Keith Kellogg.
Eles já haviam divulgado encontros com Zelenski, que deverá comparecer, e o anúncio de opções para a paz na região. Tudo indica que Trump, buscando mais uma série de manchetes para suplantar o ciclo anterior de notícias com seu nome no topo, se adiantou.
O problema, como conhecedores da negociação do lado russo disseram à reportagem, é que o tempo é diferente numa guerra ativa com tantas variáveis. Enquanto o balé diplomático corria nesta quarta, por exemplo, Kiev se recuperava de um duro ataque com mísseis, que deixaram ao menos um morto.