Ganhar mais de meio salário mínimo não é garantia de ter um lugar para morar no Brasil. É o que apontam dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo o qual 33,4 mil famílias em situação de rua no Brasil ganhavam mais de meio salário mínimo em dezembro de 2024.
O crescimento acelerado da população de rua nos últimos dois anos é puxado especialmente por famílias que estão nessa faixa salarial. No geral, a população de rua cresceu 25% no Brasil entre o fim de 2023 e o de 2024, passando de 261,7 mil para 327,9 mil pessoas, de acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em números absolutos, essa é a maior alta da história: são 66,2 mil pessoas a mais na rua em apenas um ano.
Entre as famílias que ganham mais de meio salário mínimo, o aumento é especialmente acelerado desde que Lula assumiu. Em dezembro de 2022, o número de famílias em situação de rua que ganhavam mais de meio salário mínimo era de 7,3 mil. Em dezembro de 2024, esse número subiu para 33,4 mil famílias. Trata-se de um aumento de 360% em dois anos.
O governo Lula tem feito alarde de estatísticas que comprovariam a queda da pobreza no país. A base para essa narrativa é um índice do Banco Mundial que classifica como pobres as pessoas que vivem com até US$ 6,85 diários. Segundo esse critério, 8,7 milhões de pessoas deixaram de viver abaixo da linha da pobreza no Brasil em 2023, primeiro ano do governo Lula. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera que os programas sociais de transferência de renda são a principal explicação para o resultado.
Se há mais pessoas acima da linha da pobreza, por que o aumento da população de rua tem sido tão rápido? Uma das explicações para esse fenômeno pode ser a queda no poder de compra, resultado da alta inflação e do aumento da carga tributária, que corroem os ganhos reais da população. Samuel Hanan, empresário especialista em macroeconomia, acredita nisso.
“A nova fórmula de reajuste do salário mínimo tirou cerca de R$ 8,50 por mês da mesa do trabalhador – e já é sabido que, em 2026, a perda será superior a R$ 26 por mês. Estamos tirando dois quilos de arroz e um quilo de feijão da mesa dos trabalhadores que recebem um salário mínimo por mês, reduzindo a capacidade de sobrevivência de 27 milhões de aposentados, de quase 5 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada, e também de mais de 80% da população dos estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e Paraíba”, lamenta.
Para Hanan, ganhar próximo de um salário mínimo é cada vez menos uma garantia de fugir da pobreza real – aquela que o índice do Banco Mundial não é capaz de revelar.
“Mais de 55% da população brasileira tem renda de um salário mínimo por mês. Se, de um lado, a renda é precária e perderá mais de R$ 8 a R$ 26 por mês, do outro, com os juros sobre financiamentos de imóveis de baixa renda, que já estão entre 10,99% e 11,49% ao ano, fica impossível alguém sair das ruas e das favelas para moradias dotadas de infraestrutura”, observa.
A Gazeta do Povo questionou o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República sobre os motivos dos números mencionados nesta reportagem e os planos do governo para lidar com eles. Em caso de resposta, a reportagem será atualizada.
Diante dos números, governo Lula responde com ideia assistencialista
Em 20 de janeiro, dias após a revelação das estatísticas sobre a população de rua, o site do PT respondeu aos números com um plano assistencialista: afirmou que o governo Lula vai incluir as famílias em situação de rua no programa Minha Casa, Minha Vida.
A ideia é criar cotas dentro do programa, reservando no mínimo 3% das unidades habitacionais para moradores de rua nos municípios que tiverem mais de mil pessoas nessa situação.
O cientista político Antonio Flávio Testa, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), diz que esse é o modus operandi de sempre do PT: construir narrativas falsas para maquiar problemas sociais e implementar políticas assistencialistas em vez de reformas estruturais.
Testa considera o PT “um partido mentiroso” desde sua fundação em 1980. “Tudo o que ele prometeu, não cumpriu”, afirma.
Para ele, o programa Fome Zero, lançado no primeiro mandato de Lula, baseou-se em uma falácia, pois dados do IBGE demonstravam que o problema real do Brasil era a má alimentação, e não a fome extrema, como propagado.
“Quando veio a Dilma, eles lançaram um projeto político chamado ‘Brasil Carinhoso’, em que ela pegava as estatísticas do IBGE e dizia: ‘Ainda restam 16 milhões de famintos no Brasil. E, no final do meu governo, não haverá mais”. Mentira!”, critica.
“Muito bem, então nós chegamos agora a 2025 e, nas estatísticas de 2024, aumentaram os brasileiros que moram nas ruas. Por um simples motivo: o custo de vida é muito, muito alto. A inflação é absurdamente grande”, acrescenta.
Antonio Flávio Testa argumenta que a solução para os problemas sociais no Brasil deve ser estrutural e não assistencialista. Ele critica o impacto do Bolsa Família ao afirmar que o programa incentivou a dependência econômica de pessoas que se sentem desestimuladas a procurar emprego, criando um ciclo de pobreza e fragilidade social. Há aspectos ignorados pelos governos do PT que contribuem para o problema, como a desestruturação familiar, afirma.
“O problema é muito mais profundo. Aí vem o governo com essa mentira de que 3% do Minha Casa, Minha Vida vai para os moradores de rua. Quem é que vai conseguir pagar a prestação da Minha Casa, Minha Vida? Quem é que vai ter para mobiliar a casa? Vão sair da rua? Muita gente acha melhor ficar na rua, porque recebe esmola”, observa.