Data e Hora

qual a diferença entre Drex e criptomoedas

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou clara sua oposição à criação de um “dólar digital”, ao mesmo tempo em que sinalizou apoio a criptomoedas e até lançou uma própria. As declarações chamam atenção, num momento em que o Banco Central brasileiro desenvolve o real digital, batizado de Drex, sob críticas de parlamentares de oposição.

Na segunda-feira (21), dia da posse, Trump afirmou à rede de TV Fox News que o “dólar digital” seria “muito perigoso”. O presidente alegou que poderia levar a uma situação na qual o dinheiro simplesmente desaparecesse da conta das pessoas de forma repentina.

Com alegações similares às de Trump, parlamentares da direita no Brasil também têm se manifestado contra o “real digital”. A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) é uma das vozes contrárias à moeda digital e preparou propostas legislativas para frear o avanço em sua implementação, e também para impedir a extinção do papel-moeda.

“A adoção de moedas digitais pelos bancos centrais está avançando no mundo todo, trazendo uma preocupação real: o controle quase absoluto que essas moedas podem dar ao Estado ou a estruturas supranacionais. Não é só sobre o dinheiro, mas também sobre comportamento, deslocamento e ideologias”, afirmou a parlamentar.  

O desenvolvimento do Drex está a cargo do Banco Central, que atua em parceria com grandes bancos, financeiras e cooperativas nacionais. O real digital já se encontra em fase de testes – no início de janeiro, foi realizada a primeira transação – e é uma das moedas digitais de banco central em estágio mais avançado em todo o mundo. As CBDCs (do inglês Central Bank Digital Currency) são as versões digitais das moedas convencionais.

A recente declaração de Trump contra um eventual “dólar digital” vem no encalço de outras falas do presidente a esse respeito. Em dezembro de 2024, em discurso em New Hampshire, ele afirmou que “nunca permitiria a criação de uma moeda digital de banco central” nos Estados Unidos, dizendo que seria uma “ameaça à liberdade”.

Na mesma ocasião, ele alertou que as CBDCs podem criar uma forma de “tirania governamental”, reafirmando ao público presente que esse tipo de ativo digital conferiria ao governo federal a capacidade de “tomar seu dinheiro”.

Apesar de, no passado, ter se mostrado cauteloso com todos os ativos digitais – em 2021 ele disse à Fox News que sua moeda de sua preferência era o dólar, em detrimento das criptos, que seriam voláteis –, mais recentemente Trump tem demonstrado simpatia com as criptomoedas descentralizadas.

No fim de semana que antecedeu sua posse, por exemplo, ele lançou a $Trump, sua própria criptomoeda, que teve valorização explosiva nos primeiros dias de negociação.

O rechaço de Trump às CBDCs e o lançamento de uma cripto própria, no entanto, não são atitudes incoerentes, como poderia parecer à primeira vista. Há diferenças significativas entre os ativos.

A Gazeta do Povo conversou com especialistas no tema para explicar essas diferenças, incluindo a liberdade financeira ou não que as modalidades oferecem aos investidores:

Centralização

Criadas como uma versão digital das moedas nacionais, as CBDCs desenvolvidas até o momento, como a chinesa e a russa, são vinculadas aos bancos centrais de cada país. Da mesma forma, no Brasil todo o projeto está sendo desenvolvido desde 2020 pelo Banco Central.

A partir da interação com 16 empresas e consórcios selecionados para participar da iniciativa, as decisões sobre como e quem pode se tornar um usuário, como serão realizadas as operações, entre outras, são de responsabilidade do BC, ou seja, são centralizadas.

No caso de Bitcoin, Ethereum e outras criptomoedas, o processo é descentralizado. Em outubro de 2008, quando o código do Bitcoin foi lançado, as pessoas que o receberam e outras que tiveram acesso posterior puderam começar a “minerar” as moedas de acordo com a programação e as regras recebidas.

Ocorre desta forma porque, nas redes das criptos descentralizadas, a própria programação traz as regras de acesso, de geração de ativos e realização de operações, sendo abertas a quaisquer pessoas, sem intermediação por uma autoridade central.

Novas aplicações e a autenticação de novas “minerações”, como são chamadas as “extrações” de novas Bitcoins, são validadas pelos “nós”, que são milhares de usuários que atuam como garantidores da integridade da rede e de suas operações. Além disso, qualquer usuário pode propor modificações e aplicações, mas essas só são implementadas quando aprovadas pela rede.

Amplos poderes

Nas criptomoedas tradicionais, as possibilidades e regras para a criação e para a realização das transações na rede estão codificadas na própria programação.

Além disso, toda e qualquer transação fica registrada de forma transparente na rede. Ou seja, tudo é feito sempre em estrita concordância com as regras e a programação estabelecidas. Assim, não é possível criar ou apagar ativos de carteiras, transferi-los ou bloqueá-los, entre outras possibilidades.  

No caso das CBDCs, Drex incluído, achados de alguns desenvolvedores a partir do piloto divulgado pelo Banco Central demonstram que a autoridade monetária possui poderes quase absolutos em relação ao ativo.

De acordo com especialista em ativos digitais Edilson Osório Jr., consultor do governo da Estônia para criptomoedas, o protótipo do Drex, além de permitir a criação de ativos diretamente nas carteiras, também já permitiu queimar ou destruir esses mesmos ativos. Como disse Trump, é a possibilidade de o dinheiro desaparecer da conta dos usuários repentinamente.

A autoridade central também tem a possibilidade de bloquear as movimentações e transações de determinada carteira, bem como congelar uma quantidade de recursos para pagamento de algum imposto ou taxa governamental.

Governança 

A operacionalização da governança também é distinta nas criptomoedas tradicionais e nas CBDCs. Enquanto nas primeiras as regras implícitas na programação são soberanas e só podem ser mudadas pelo consenso da maior parte dos usuários, nas moedas nacionais digitais isso não ocorre.

No caso do Bitcoin, Osório Jr. afirma que, ao menos que seja validada pela maior parte dos “nós” da rede, uma nova aplicação não pode ser implementada. Da mesma forma, seria necessária a aprovação de todos os nós para, outro exemplo, mudar o registro de uma operação ou a forma como determinadas transações são registradas, o que faz com que sejam transparentes e seguras. 

No caso do Drex, quaisquer acordos feitos pelo BC e pelas instituições participantes – com ou sem interferência do governo, por exemplo – gerariam efeitos na rede, à revelia dos usuários.

Victor Valente, advogado e presidente da Comissão de Blockchain e Criptoativos da OAB de Niterói (RJ), afirma que são poucas as instâncias decisórias, já que o sistema é centralizado. De acordo com o jurista, possibilidades quase ilimitadas – como a criação e bloqueio de ativos – reunidas sob a governança de uma autoridade permitem que se considere o risco de abuso de poder.

Escalabilidade

Em razão da necessidade de consenso entre os usuários das redes de criptomoedas, elas são pouco propensas a escalar – ou seja, ampliar – suas operações. Osório Jr. observa que poucas atualizações foram feitas na rede desde a criação do Bitcoin.

Por outro lado, as redes centralizadas, pela própria governança que têm, permitem uma ampla escalabilidade em suas operações. Victor afirma que a questão da escalabilidade é um dos pontos para os quais os usuários e desenvolvedores das criptos buscam uma solução, de modo a permitir a escalabilidade ao mesmo tempo em que se mantanha a governança e a descentralização.

Permissões

A necessidade ou não de uma permissão para integrar as redes de ativos digitais é outro diferencial entre as criptomoedas e as CBDCs. No caso das criptos, por serem descentralizadas, não há necessidade de autorização para a participação. Quaisquer pessoas que queiram se integrar podem fazê-lo, inclusive sem nunca revelar sua identidade, já que o único mecanismo de acesso é a chave para a carteira digital.

Ou seja, não há requisitos prévios ou necessidade de aprovação para as pessoas ou instituições que desejem entrar. Elas apenas precisam criar suas carteiras e fazer as operações em acordo com as regras de cada rede.

A dinâmica com as moedas digitais nacionais é diferente. No caso do Drex, há dois tipos de permissão. Primeiramente, por parte do Banco Central, houve a escolha das empresas e instituições que passaram a integrar o conglomerado responsável pelos testes e desenvolvimento do real digital.

Ou seja, somente essas empresas podem desenvolver aplicações para a moeda nacional brasileira, ao passo que nas criptos qualquer uma pode fazê-lo.

Assim como ocorre com os bancos na atualidade, que precisam seguir a legislação, mas podem adotar critérios próprios para a abertura de contas, procedimento similar pode ocorrer com a abertura de carteiras do Drex. 

Para tanto, o brasileiro possivelmente terá que se cadastrar junto a essas instituições e cumprir com quaisquer dos requisitos que venham a estabelecer para a criação da carteira de ativos, que ficará sujeita à aprovação ou não dessas instituições.

Privacidade

A necessidade de cumprir com requisitos de adesão traz outra diferença significativa entre as CBDCs e as criptomoedas, a privacidade. Nas redes de Bitcoin e Ethereum, cada usuário possui uma chave, que lhe dá acesso a sua carteira de ativos. Caso o usuário não revele ou admita que determinada chave é sua, não há como identificar e provar sua propriedade.

Victor Valente lembra que o FBI somente conseguiu prender um hacker que lavava dinheiro por meio de operações com criptomoedas após um longo período de investigações. Os agentes o abordaram enquanto estava logado em suas carteiras, comprovando a posse dos ativos e, portanto, das ilegalidades que cometia.

No caso do Drex, de acordo com os requisitos solicitados, os usuários serão totalmente identificados pelas instituições, assim como cada uma de suas transações.

Segurança

As questões relacionadas à segurança também diferem nas CBDCs e nas criptomoedas. Nestas últimas, em razão da rede descentralizada e da governança que requer a aprovação dos usuários e “nós” para quaisquer operações, é praticamente impossível o hackeamento ou a ocorrência de ciberataques. Segundo Victor Valente, até hoje, não houve nenhum ataque bem-sucedido à rede do Bitcoin.

No caso do Drex, os poucos “nós” para a validação das operações e a concentração de poderes na autoridade centralizada fazem com que a rede fique mais suscetível a ataques, ainda que a segurança seja uma das bandeiras das autoridades em favor do real digital.

Outro ponto que diz respeito à segurança é a transparência de contratos e operações. No caso das criptomoedas, há total transparência em relação a quaisquer regras válidas para se realizar as transações.

No caso do Drex, tanto Victor Valente quanto Osório Jr. afirmam que as regras não são totalmente divulgadas, principalmente nos contratos firmados entre o BC e as instituições que participam da iniciativa. “Nós vamos ter que acreditar que eles vão fazer como dizem que vão fazer”, diz Osório Jr..

Em um documento sobre o Drex, o BC informou que entre suas diretrizes para o real digital está a “observância do sigilo bancário, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e demais disposições legais e regulamentares aplicáveis, que equiparam as transações com o real digital brasileiro às demais transações atualmente realizadas pelo sistema de pagamento”.

Oposição desconfia que Drex facilite controle econômico da população

Parlamentares de oposição como a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) e o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) têm alertado seus seguidores nas redes sociais sobre possíveis riscos do Drex. Segundo os parlamentares, o real digital pode ser utilizado como uma ferramenta de controle econômico.

À Gazeta do Povo, Edilson Osório Jr. comentou ter participado de uma live com representantes das instituições parceiras do BC no projeto do Drex. Segundo o especialista, eles não se mostraram preocupados com esses aspectos, que, dizem eles, serão debatidos mais tarde, quando da implementação do real digital.

Osorio, no entanto, discorda dessa posição e cobra uma discussão desde já. “Da forma como está neste exato momento, o código [do Drex] permite criar moedas, queimar as moedas, retirar as moedas ou transferir as moedas de um participante para outro, e também pode bloquear parcialmente o saldo”, afirma.

Outro ponto que chama sua atenção são iniciativas que correm em paralelo ao Drex, como o Projeto de Lei 4.068/2020 do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). O PL determina que as operações financeiras sejam feitas apenas através de sistemas digitais e que a circulação de cédulas superiores a R$ 50 seja extinta um ano após a medida entrar em vigor, e a de cédulas inferiores a R$ 50, em cinco anos.

Na visão de Osório Jr., é preocupante a combinação entre as diversas características do Drex – como a centralização, a governança e os amplos poderes – e propostas que visam extinguir o papel-moeda e outras formas de pagamento.

Zanatta também é a autora do Projeto de Lei 3341/2024, que proíbe a extinção do papel-moeda em substituição à moeda digital. “Drex é controle social. Uma moeda digital centralizada e controlada pelo Banco Central que pode e será usada para impor restrições ao cidadão brasileiro”, disse a deputada.

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