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Protagonismo feminino no Carnaval é marcado por pioneiras que abriram espaço para novas gerações — Agência Gov

‘É um caminho divertido, mas árduo’, diz Dona Bernadete, expoente da folia em São Paulo

Maria Bernadete Raimundo, ou apenas Dona Bernadete, de 74 anos, é um símbolo do samba e do Carnaval paulistano. Em 1991, a cantora fez história ao ser a primeira mulher a interpretar um samba-enredo no recém-inaugurado Sambódromo do Anhembi. Nascia ali a Tulipa Negra do Samba, apelido pelo qual é conhecida.


“As novas intérpretes me dizem: a senhora abriu os caminhos para a gente. Eu fico feliz por ser essa referência, porque não é fácil. É divertido, mas árduo, cheio de espinhos, de preconceito. E a gente precisa ser muito forte para continuar”, garante Dona Bernadete


 Em plena folia, durante o mês do Dia Internacional das Mulheres, Dona Bernadete considera que há uma nova geração de cantoras, mas as dificuldades persistem. “Agora tem muitas mulheres no samba. Mas no microfone oficial do Anhembi só há uma: Grazzi Brasil, da Estrela do Terceiro Milênio. E eu espero que fique muito tempo, porque não são abertas mais brechas para as mulheres cantarem”, avalia ela, que antes foi puxadora da Império Lapeano, agremiação que ajudou a fundar em 1974.


“Essas meninas que estão vindo, eu espero que lutem. Infelizmente elas não têm a chance de pegar o Grupo Especial das escolas de samba. Eu quero muito que esse jogo vire”, salienta a Tulipa Negra do Samba


Hoje integrante da ala musical da Unidos do Peruche, ela lembra com carinho de sua estreia na agremiação no Carnaval que mudou sua vida. A proposta inicial foi para que acompanhasse os ensaios ao lado da intérprete oficial, Eliana de Lima, que estava grávida. Mal imaginava ela que a cantora daria à luz dias antes do desfile. “Por incrível que pareça, o tema daquele ano era Quem Não Arrisca, Não Petisca. E eu arrisquei”, diverte-se.

Ela permaneceu no posto de puxadora da escola até 1993. Na sequência passou pela Império de Casa Verde e Barroca da Zona Sul, antes de retornar à Peruche. Em ambas foi também a única mulher a empunhar o microfone na passarela do samba.

Estrutura social

De acordo com a jornalista, pesquisadora e gestora cultural Maitê Freitas, ao pensarmos o papel das mulheres no samba é preciso notar que ele está inserido em uma estrutura social.


“A forma como as mulheres negras foram invisibilizadas e esquecidas nessa história é a mesma que ocorre na história da literatura, das artes visuais, do teatro. Sendo o Brasil um país tão racista, ele vai reproduzir esse esquecimento. Mas as mulheres negras sempre estiveram e estarão dentro dos contextos de samba, porque é algo ancestral”, observa Maitê


Maitê também prefere refletir sobre o samba não como um estilo musical, mas como tecnologia social. “O samba é essa forma de se comunicar, de promover encontros. E quem que sempre esteve na promoção do bem-estar coletivo: as mulheres negras. Ainda que tentem invisibilizar, é impossível. Nós sempre vamos falar de Tia Ciata, de Jovelina Pérola Negra, de Clementina de Jesus, de Alcione. Nós sempre teremos mulheres como Dona Ivone Lara como faróis disto que transformamos em gênero, mas que a gente precisa olhar como uma linguagem social de encontros, de promoção de afeto, de bem-estar”.

 

Dona Ivone Lara:primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola de samba, a Império Serrano. Foto: Wikimedia Commons

Ícones do samba

Conhecida pela alcunha de Grande Dama do Samba, a carioca Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola. Para a Império Serrano assinou sambas como Não Me Perguntes e Os Cinco Bailes da História do Rio.

Formada como enfermeira e assistente social, se aposentou em 1977, quando passou a se dedicar integralmente à música. Emplacou sucessos como Sonho Meu e Acreditar e teve canções regravadas por artistas como Maria Bethânia, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila. Morreu em 2018, aos 96 anos.

Em 2016, foi homenageada pela Ordem do Mérito Cultural (OMC), maior honraria pública concedida ao setor cultural. Suspensa desde 2019, a premiação será retomada pelo Ministério em 2025. A edição que celebrou o centenário do samba reverenciou a pioneira na composição de sambas-enredos.

No ano passado, o legado da compositora e de outras artistas foi reconhecido com a sanção presidente Lula e pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, da lei que cria o Dia Nacional da Mulher. A data é comemorada em 13 de abril, dia do nascimento de Dona Ivone Lara.

A cantora e compositora carioca Jovelina Pérola Negra, que morreu em 1998, aos 54 anos, era considerada a dama do partido alto. Nascida Jovelina Faria Belfort, trabalhou com doméstica até os 40 anos até alcançar o sucesso.

Integrante da ala das baianas da Império Serrano e frequentadora de rodas de pagode, ela lançou o primeiro disco em 1986. Entre seus sucessos estão Feirinha da Pavuna, Bagaço da Laranja e Feira de São Cristóvão.

Dona de uma voz rouca e grave inconfundível, Clementina de Jesus deu voz à ancestralidade africana por meio de uma série de sambas que se tornaram clássicos, causando impacto na música brasileira.

Neta de escravos nascida em Valença, no estado do Rio de Janeiro, foi descoberta pelo poeta, pesquisador e depois produtor Hermínio Bello de Carvalho. Ele a preparou para o show O Menestrel, em 1964, que a tornaria famosa. Na época, ela tinha 63 anos. A partir daí, a cantora tornou-se referência para uma série de artistas. Clementina morreu em 1987, aos 86 anos.

“Essas mulheres, Jovelina, Clementina e Dona Ivone são fundantes de uma noção de subversão, de encontrar espaço onde não existia e segue não existindo. Mas elas construíram um lugar, uma possibilidade de existência das mulheres negras cantoras de samba. E é esse espaço que até hoje as mulheres negras sambistas tentam ocupar em um campo que segue sendo machista. Hoje a gente vê mulheres se articulando, se aquilombando, construindo um espaço. Essas três cantoras e toda essa geração delas, e também Aparecida, Geovana, foram inovadoras, fundamentais para que hoje a gente tivesse uma Teresa Cristina, Fabiana Cozza, Luana Bayô. Jovelina, Clementina e Dona Ivone têm essa função de serem marcos de subversão a um processo histórico hostil. Só que elas abriram frestas, e elas seguem ocupadas por outras mulheres”, analisa Maitê.

Agência Gov

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