Com a volta dos trabalhos no Legislativo, parlamentares da oposição buscam o apoio de partidos do Centrão para avançar com um projeto de lei que esvazia a Lei da Ficha Limpa ao reduzir o prazo de inelegibilidade de oito para dois anos. Nos cálculos dos aliados de Jair Bolsonaro (PL), a medida poderia liberar os direitos políticos do ex-presidente para que ele pudesse concorrer à presidência em 2026.
Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2023, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação após levantar dúvidas sobre a credibilidade das urnas eletrônicas. Posteriormente, ele foi condenado novamente à inelegibilidade, dessa vez por abuso de poder político e econômico por suposto uso eleitoral das cerimônias do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022.
Com base na legislação atual, Bolsonaro está proibido de disputar um cargo público por oito anos e, caso não consiga reverter a decisão, ele só poderá disputar uma eleição em 2030. Diante desse cenário, ganhou força nesta semana uma articulação por parte dos aliados do ex-presidente para que o projeto apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) seja aprovado pelo Congresso Nacional ainda neste ano.
Essa não seria a primeira vez que parlamentares buscam mudanças na Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 como projeto de iniciativa popular para barrar a candidatura de políticos com condenações em tribunais. No ano passado, por exemplo, um projeto da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, chegou a ser aprovado na Câmara, mas ainda não passou pelo Senado. Esse texto previa uma mudança na forma como o prazo de inelegibilidade seria contado, mas mantinha o período de até oito anos.
Para Bibo Nunes, no entanto, o prazo de oito anos serve apenas para tirar da vida política pessoas competitivas e não para punir criminosos. Segundo o parlamentar, seu texto não tem interesses “casuísticos”, mas ele reconhece que tratou sobre o tema com o ex-presidente Bolsonaro.
“Existe a justiça comum, o Código Penal, a lei de improbidade administrativa, entre outras, para punir políticos criminosos. Não é por tempo de ficar inelegível que se pune um político criminoso. Oito anos é muito tempo e serve para punições políticas e não criminosas”, argumentou o deputado à Gazeta do Povo.
Entre outros pontos, o projeto de Bibo Nunes estabelece que a contagem para o período de inelegibilidade será de dois anos “subsequentes à eleição” em que houve o crime eleitoral. No caso de Bolsonaro, a inelegibilidade contaria apenas entre outubro de 2022 e outubro de 2024. Ou seja: se a proposta estivesse em vigor, o ex-presidente já estaria elegível.
Apoio do Centrão pode acelerar aprovação da proposta na Câmara
Atualmente, o projeto de Bibo Nunes está sob a relatoria do deputado Filipe Barros (PL-PR) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que até o final do ano passado era comandada pela deputada Caroline De Toni (PL-SC). O colegiado, no entanto, deverá ser presidido neste ano por um partido do Centrão e líderes do União Brasil e do MDB tentam um acordo para isso.
A expectativa é de que a instalação dos colegiados aconteça após o carnaval, no começo de março. O apoio de parlamentares do Centrão é visto como estratégico por parte da oposição para que o projeto que altera o prazo da inelegibilidade avance.
Líderes de partidos como União Brasil, PP e Republicanos ouvidos pela reportagem admitem, reservadamente, que a proposta pode ganhar força, desde que haja a escolha de um novo relator para viabilizar a admissibilidade da proposta na CCJ.
Na avaliação dessa ala do Centrão, um nome mais pragmático em comparação ao de Filipe Barros poderia reduzir eventuais resistências por parte da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo.
Assim como Bolsonaro, outros políticos podem se beneficiar pela medida, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, cassado em 2016 e que, pela regra atual, está inelegível até 2027. Além de outros nomes como os ex-governadores José Roberto Arruda (DF) e Antony Garotinho (RJ).
Segundo Bibo Nunes, diversos outros parlamentares já o procuraram para subscrever o seu texto. O projeto já traz a assinatura de 73 deputados, a maioria do PL, mas também do MDB, Patriota, PP, PSD e Republicanos, partido do novo presidente da Câmara, Hugo Motta.
“Deputados de diferentes partidos já me procuraram para dar apoio ao texto, a sinalização do presidente Hugo Motta nesta semana mostrou que podemos avançar com o texto”, disse o parlamentar gaúcho.
Nesta semana, em entrevista à CNN Brasil, Motta disse que considera 8 anos um período longo para o político ficar inelegível, mas que essa discussão também depende dos líderes partidários. “Oito anos são quatro eleições, é um tempo extenso na minha avaliação”, disse Hugo Motta sobre a Lei da Ficha Limpa.
De acordo com o presidente da Câmara, o Brasil se adaptou ao contexto da lei, mas o Congresso é soberano para propor mudanças.
“Se houver interesse de algum partido, de algum parlamentar em discutir isso, e aí entra o cenário de 26, que começou a falar para tratar a inelegibilidade de Bolsonaro, aí o Congresso vai discutir, o Congresso é soberano. Esse não foi um tema, um assunto, que eu dialoguei com os líderes para sentir o ambiente sobre a necessidade ou não de uma mudança na Lei da Ficha Limpa”, afirmou Motta.
Base do governo Lula ainda acompanha movimentação da oposição
Procurados, líderes da Câmara e do Senado que integram a base do governo Lula admitiram que ainda avaliam a repercussão do projeto encampado pela oposição junto ao Centrão. Apesar disso, o PT, partido do presidente, apoiou no ano passado a articulação para que o projeto da deputada Dani Cunha avançasse no Congresso.
O próprio Lula disse, em 2022, antes de voltar à presidência, que o modelo atual da Lei da Ficha Limpa é “uma bobagem” e defendeu que a norma fosse rediscutida.
“Acho que foi uma bobagem a gente fazer a Lei da Ficha Limpa tal como ela foi feita. Você muitas vezes pune uma pessoa e, três meses depois, essa pessoa readquire o seu direito de ser candidata. É preciso a gente dar uma rediscutida na Lei da Ficha Limpa”, disse o petista à rádio Super, de Belo Horizonte, na ocasião.
Nas eleições de 2018, Lula foi impedido de concorrer por conta da Lei da Ficha Limpa. O então candidato havia sido condenado na Operação Lava Jato e só recuperou os seus direitos políticos em 2021, quando suas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta semana, em entrevista a diversas rádios mineiras, Lula ironizou ao ser questionado sobre a possibilidade de concorrer à reeleição contra Bolsonaro em 2026.
“Se a Justiça entender que ele pode concorrer às eleições, ele pode concorrer. E se for comigo, vai perder outra vez. Não há possibilidade de a mentira ganhar uma eleição neste país”, afirmou Lula.