Data e Hora

Obuseiro de Israel barrado por Lula atrasa renovação do Exército

A paralisação das negociações de compra de 36 obuseiros israelenses pelo Exército Brasileiro pode atrapalhar os planos de modernização da instituição a longo prazo. Após a empresa Elbit System vencer o processo licitatório para venda dessa artilharia de longo alcance, as tratativas foram interrompidas por ordem do Executivo e do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Dentro deste planejamento de modernização, também estava prevista a aquisição de obuseiros mais tecnológicos e em uma versão que o Exército não possui. A intromissão por parte do Executivo no processo, contudo, pode atrapalhar estes planos. Conforme apurou a reportagem com membros da cúpula do Exército, a obstrução de aquisição destas artilharias pode colocar em xeque todo o planejamento estratégico da força.

“Não há dúvidas de que barrar a compra desses obuseiros pode atrapalhar a estratégia de modernização do Exército. A guerra na Ucrânia mostrou e comprovou o que já se sabia, mas que ficou mais evidente foi a capacidade de tiro e rápida mobilização desses equipamentos, o obuseiro hoje em dia não pode mais demorar tanto no mesmo local. Uma ênfase nessa categoria e principalmente nessa capacidade de mobilidade rápida, é essencial numa guerra moderna”, avalia Gunther Rudtiz, professor de Relações Internacionais da ESPM.

O uso de obuseiros é uma peça-chave na estratégia de força, reforçando a ofensiva de um exército. Eles bombardeiam posições inimigas, neutralizam armas antitanque e criam barreiras de fogo para proteção. Integrados a drones e sistemas de reconhecimento, garantem maior precisão nos ataques.

Ou seja, o Exército está renovando sua frota de carros de combate de diversos portes, armas de infantaria, defesa antiaérea, mas não moderniza sua artilharia, arma que permite tanto o avanço das tropas como a proteção de todos os outros sistemas em caso de conflito. Sem isso, a participação em um combate é inviabilizada e os demais sistemas se tornam praticamente inúteis.

A interrupção dessa cadeia de compras por uma decisão política ideológica do presidente Lula e de seu assessor especial Celso Amorim, que já foi ministro da Defesa, é um dos fatores que cria maior indisposição do Exército com o governo, segundo apurou a reportagem.

Nesse contexto, os especialistas consultados pela reportagem destacam que, embora a renovação de blindados seja essencial, a falta de modernização de equipamentos complementares mantém o Exército Brasileiro em desvantagem em relação a outras forças militares.

A aquisição dos obuseiros fabricados pela Elbit representaria mais um avanço da modernização do Exército Brasileiro. Ainda que a força já possua artilharias deste tipo em seu arsenal, o modelo tecnológico implementado ao Atmos seria uma novidade para o Exército. O alcance de armas similares usadas pelo Exército hoje é de no máximo cinco quilômetros. O Atmos dispara a mais de 40 quilômetros de distância.

Além disso, o equipamento não precisa ser rebocado e se locomove através de um motor próprio, o que o torna mais ágil e eficaz em um campo de batalha.

A grande vulnerabilidade de um sistema de artilharia rebocada, modelos que o Exército possui atualmente, é que ele depende de um outro veículo para se locomover e ser posicionado. Depois que a peça de artilharia que o Exército possui faz os primeiros disparos, sua localização se torna detectável e vira alvo para o inimigo, por isso a necessidade de deixar o local rapidamente. Como o Atmos já é instalado sobre um veículo, sua locomoção é rápida.

Governo barrou compra por “decisão ideológica”

Em abril do último ano, a empresa Elbit Systems venceu um edital para vender 36 obuseiros autopropulsados ao Exército Brasileiro. O equipamento é artilharia autopropulsada que faz disparos de granadas de artilharia (balas de canhão, no jargão popular) a longa distância e com maior precisão.

Chamado de Atmos, o equipamento vendido pela israelense Elbit, é considerado um dos melhores do mercado e venceu a licitação contra ofertas de outros três países. Henrique Alvarez, doutor em políticas públicas, estratégia e desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), critica a decisão do governo.

“Se os obuseiros Atmos são os que os militares querem e que o edital diz ser o melhor, eu acredito que no campo de batalha ele realmente seja o melhor”, avalia. Além de Israel, obuseiros de companhias de outros três países chegaram à fase final do processo. Foram eles:

  • Segundo lugar: Zuzana 2, da Excalibur International – República Tcheca;
  • Terceiro lugar: Caesar, da KNOS France – França;
  • Quarto lugar: SH15, da Norinco (China North Industries Corporation) – China.

Após o resultado do edital divulgado em abril, a expectativa do Exército e da Elbit era de que em maio assinassem o contrato de intenção, dando início ao acordo entre as partes. Esse primeiro passo autorizava que a empresa disponibilizasse os veículos para testes internos, conforme prevê as negociações da força. Mas isso não aconteceu devido a uma decisão do que partiu do Palácio do Planalto.

O ministro da Defesa, José Mucio Monteiro Filho, criticou a suspensão das negociações e afirmou que houve viés “ideológico” na decisão do governo. “As pessoas que estão contra [a compra do Atmos] são por motivos políticos, ideológicos. Eu estou defendendo o Exército e que a gente tenha oportunidade de dotar o Exército Brasileiro de equipamentos mais modernos”, disse ao jornal Folha de S. Paulo.

Guerra foi usada como justificativa para barrar o acordo com a Elbit

Figuras do governo e até membros do Partido dos Trabalhadores (PT) se opuseram à assinatura do acordo com a empresa israelense. Após as afirmações de Mucio, o ex-chanceler Celso Amorim, apontado como uma das figuras opositoras do acordo, afirmou que há uma “questão política” envolvida na negociação com a Elbit Systems.

“Nunca foi colocada em questão a legalidade do processo e nem há nada de ideológico, mas isso também é uma questão política. Você está comprando equipamento sensível de um país acusado de genocídio pela Corte Internacional”, disse ao jornal O Globo. No posto de assessor chefe da assessoria especial da Presidência, Amorim é apontado como o principal condutor da política externa do presidente Lula neste terceiro mandato.

Israel enfrentava uma guerra contra o Hamas, na Faixa de Gaza, desde outubro de 2023. Após um ataque inesperado do grupo terrorista, o exército israelense iniciou uma contraofensiva contra o grupo que vive no enclave. O presidente Lula, no entanto, foi um crítico enérgico da atuação israelense e aos prejuízos que a hostilidade do país causou à população palestina, que vive em Gaza.

Para membros da alta cúpula do governo, há o entendimento de que a negociação poderia financiar a guerra indiretamente. Após a suspensão da negociação, o Ministério da Defesa chegou a acionar o Tribunal de Contadas da União (TCU) para analisar o caso. A pasta questionou ao órgão se havia impedimento na lei brasileira para aquisição de equipamentos militares de um país em guerra.

Em relatório, o TCU concluiu que não há impedimentos nesse tipo de negociação na legislação brasileira e nem em acordos internacionais do qual o Brasil é signatário. Mesmo com o parecer do órgão, as negociações para a aquisição dos obuseiros Atmos estão paralisadas. A justificativa dada pelo governo também é vista como frágeis para analistas.

Na concepção de Vitelio Brustolin, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, a justificativa utilizada pelo governo não representa a realidade de compras militares. “Os pagamento de compras militares não são feitos em valor integral e em uma única vez, esses repasses levam anos até serem concluídos”, explica.

Mesmo com acordo de cessar-fogo, não há previsão de conclusão de venda dos obuseiros

Pode haver contudo, nos próximos meses, uma brecha nesta paralisação. Os protagonistas da guerra no Oriente Médio chegaram um acordo de cessar-fogo em janeiro deste ano entre Israel e Hamas. A primeira fase da trégua entrou em vigor no dia 19 de janeiro e contou com o apoio do governo americano, liderado por Donald Trump. A segunda fase da implementação está atrasada e pode não ser colocada em prática.

Mas para analistas, se a trégua se sustentar, pode reacender as discussões sobre o Brasil retomar a compra de Israel. Conforme apurou a Gazeta do Povo com membros do governo, contudo, ainda não há novidades sobre as negociações. A reportagem buscou o Ministério das Relações Exteriores para saber se o cessar-fogo pode destravar a compra mas não obteve retorno até a publicação desta.

A justificativa do governo Lula de barrar a compra pelo fato de Israel estar em guerra contra o Hamas também é colocada em xeque pela postura do Brasil diante de outro conflito em curso no mundo. Apesar da argumentação dada pelo governo, o Brasil elevou seu comércio com a Rússia desde que o país iniciou a guerra contra a Ucrânia.

De acordo com levantamento realizado pela Gazeta do Povo, baseado em dados do Comércio Exterior Brasileiro de Bens, o Brasil quase dobrou o volume de importação proveniente da Rússia depois da guerra. Em 2021, por exemplo, o Brasil importou mais de 15,7 milhões de toneladas em produtos russos. Em 2024, dois anos após o início da guerra, foram importados mais de 23,3 milhões de toneladas de produtos com origem na Rússia. Um aumento de 48% nesse comércio.

Este incremento no comércio russo-brasileiro também é visto em valores. Em 2021, a quantia importada da Rússia representou em valores mais de US$ 5,6 bilhões. Já em 2024, apenas as importações brasileiras de origem russa representaram exatos US$ 10,9 bilhões. Um aumento de mais de 90% em valores. Quantia essa que tem sido utilizada por Moscou em seu esforço de guerra contra a Ucrânia.

A Rússia, assim como Israel, também está em guerra, mas por razões diferentes. O conflito no Oriente Médio, teve início depois que o Hamas ordenou um ataque terrorista contra Israel e fez 1,2 mil vítimas. Na Europa, por outro lado, a guerra foi motivada pela Rússia. O conflito teve início em fevereiro de 2022, quando o ditador Vladimir Putin ordenou que suas tropas invadissem a Ucrânia.

República

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