Há um ano e meio, o chef Robbie McCauley trocou as cozinhas sofisticadas de alguns dos melhores restaurantes do Reino Unido e da Irlanda por um pequeno casebre à beira de um penhasco de frente para o Oceano Atlântico.
A construção rústica, de paredes caiadas e telhado de pedra, está cercada por campos verdes, longe de qualquer cidade. É a essência da paisagem rural irlandesa.
Ali perto ficam as Falésias de Moher, um cenário imponente e ventoso, esculpido pelo mar revolto, que marca a ponta oeste da Europa e já apareceu em diversos filmes. Ao norte está Doolin, uma vila famosa por sua tradição musical.
Apesar de atrair turistas, o lugar remoto e o visual rústico do casebre estão a anos-luz do requinte dos restaurantes finos, com suas toalhas de linho impecáveis. Por ali, não há clientes engravatados ou celebridades desfilando looks da moda.
Ainda assim, poucos meses depois de McCauley e sua esposa, Sophie, inaugurarem o Homestead Cottage, no condado de Clare, o restaurante conquistou uma estrela Michelin. E não só isso: há quem diga que é o melhor da Irlanda – um elogio de peso em um país com uma cena gastronômica tão forte.
O ambiente bucólico só ajudou a reforçar o charme do restaurante. O Guia Michelin o descreveu como “provavelmente o mais rural” entre seus novos premiados, destacando a excelência dos ingredientes locais que definem o cardápio.
O feito impressiona ainda mais ao considerar a crise que o setor enfrenta na Irlanda e em tantos outros países nos últimos anos, com muitos restaurantes à beira do fechamento — uma precariedade tão vertiginosa quanto o penhasco onde o Homestead Cottage se equilibra.
Novo desafio
O escocês McCauley e sua esposa francesa, dona de restaurante, parecem mais interessados em explorar os sabores únicos do oeste da Irlanda do que em colecionar prêmios.
“Nossa filosofia é simples: ingredientes locais, sazonais e da melhor qualidade possível”, conta o chef ao CNN Travel.
Ele vive na região desde 2013, mas não gosta de ser visto como um forasteiro. A mãe dele nasceu ali, sendo que o avô era produtor de laticínios na região. “Sempre senti um chamado para Clare”, diz.
Após formar na Royal Academy of Culinary Arts, em Londres, e trabalhar em restaurantes estrelados como o Number One, em Edimburgo, e o Campagne, em Kilkenny, ele foi parar no Gregan’s Castle Hotel, no Burren, condado de Clare. Acabou se tornando chef principal — e foi ali que conheceu Sophie, sua futura esposa.
Em 2023, sentiu que era hora de um novo desafio. Foi então que um empresário local lhe ofereceu o aluguel de um antigo casebre de pedreiro, com 200 anos de história, nos arredores de Doolin, pertinho das Falésias de Moher. McCauley não botou muita fé na ideia, mas Sophie, grávida de oito meses, foi direta: “Por que não tentar?”.
Sucesso meteórico
O casal viu potencial no espaço. “Acho que, de alguma forma, aquilo fez sentido na minha cabeça”, lembra McCauley.
Eles tiveram seis semanas para preparar tudo. E, duas semanas antes da inauguração, Sophie deu à luz a pequena Iris. “Foi uma loucura!”, conta McCauley, rindo.
Os primeiros dias, em julho de 2023, foram tranquilos. Mas então veio uma crítica entusiasmada do *Irish Times*, e tudo mudou. “Depois disso, foi uma avalanche”, diz o chef. Em fevereiro de 2024, o restaurante já tinha sua estrela Michelin.
“Isso nunca passou pela nossa cabeça, muito menos tão rápido”, admite McCauley.
O Homestead Cottage funciona com um menu degustação, sem opção à la carte. Isso significa menos desperdício e mais liberdade para McCauley, que prefere adaptar os pratos conforme os ingredientes disponíveis, sem se prender a um cardápio fixo.
Isso pode significar colher alho, favas e kohlrabi da horta. Este será o quarto ano cultivando aspargos, e eles estão ansiosos para finalmente colher a primeira grande safra.
“A diferença de sabor é gritante. E assim conseguimos cozinhar de fato com as estações”, diz McCauley.
Para ele, a cozinha irlandesa não se define apenas pelos pratos, mas pelos ingredientes.
O chef é um grande entusiasta dos laticínios irlandeses, que considera “um produto de nível mundial”, e acredita que o país deveria valorizar mais sua carne bovina e ovina. “Aqui, os animais não são alimentados com grãos, como em muitos países. Noventa por cento do gado é criado exclusivamente a pasto.”
A ligação com a terra
Os pratos do Homestead Cottage levam nomes de lugares locais, enfatizando a forte conexão entre o território e seus ingredientes: ostras de Flaggy Shore, caranguejo de Moher, vieiras de Connemara, tamboril das Ilhas Aran, carne bovina do Burren.
A região do Burren, onde o restaurante está localizado, é um cenário único: uma vasta paisagem de calcário formada há 330 milhões de anos, repleta de flora rara e reconhecida como Geoparque Global da Unesco.
McCauley admira tanto o sabor diferenciado da carne do Burren que acredita que ela deveria ter status de indicação geográfica protegida, como acontece com a carne galega, da Espanha, e o vitelo Limousin, da França.
Apesar do reconhecimento pelo seu talento, o chef insiste que grande parte do mérito vai para os produtores locais.
“Os horticultores levam quase seis meses para nos entregar os vegetais. Os criadores de cordeiro, de seis a oito meses. No fim das contas, a gente só cozinha. Não dá para fazer milagre com matéria-prima ruim”, afirma.
Um desses fornecedores é a família Haugh. Fiona e seu pai, Sean, comandam o Market Hall, um açougue e delicatessen premiado na cidadezinha de Ennistymon, a cerca de 13 quilômetros do Homestead Cottage.
Sean tem uma fazenda na trilha dos penhascos de Kilkee e acompanha de perto cada etapa do processo, desde a criação até o corte das carnes.
Fiona conta que conhece McCauley há anos e lembra das primeiras vezes que ele entrou na loja pedindo “coisas aleatórias, como pão de cordeiro”.
“O Robbie é de outro nível”, diz ela. “Nunca provei nada parecido com a comida dele.”
Às vezes, ela até o deixa entrar no balcão do açougue.
“Ele chega perguntando: ‘Pode cortar desse jeito? Dá para fazer assim?’ Ele é muito detalhista”, ri Fiona. “Sabe exatamente o que quer, do focinho ao rabo. Então, eu deixo ele mexer, porque ele entende mais do que eu!”.
McCauley reconhece que a situação do setor não é fácil: “Especialmente agora, com tudo tão difícil para os restaurantes. Não temos investidores. Somos só nós dois.”
Os desafios do setor
O chef não se surpreende com o fechamento de tantos restaurantes. Para ele, os vilões são os preços altos dos ingredientes e da conta de luz, além do aumento dos custos com funcionários e os impostos sobre comida e bebida.
Outro fator são as pessoas bebendo menos. Hotéis, que podem compensar os custos com hospedagem, levam vantagem sobre restaurantes independentes.
Ele acredita que o governo irlandês precisa agir. “O turismo e a gastronomia geram empregos em todo o país, especialmente em áreas rurais. Se perdermos isso, não há como substituir por redes de fast-food.”
McCauley defende mais incentivos para cursos de gastronomia e programas de aprendizado, principalmente no interior.
No Homestead Cottage, os móveis têm história: as mesas foram feitas com tábuas de um antigo moinho, apoiadas em pernas de máquinas de costura Singer. No inverno, uma lareira aquece o ambiente. O chão é de pedras locais.
“O conceito de alta gastronomia ainda é muito associado à formalidade das toalhas brancas”, diz McCauley. “Mas quem entende, entende.”
Agora, ele e Sophie chegam ao fim do primeiro ano com uma estrela Michelin. Em fevereiro, saberão se conseguiram mantê-la.
“Acho que estamos cozinhando bem e espero que o Michelin continue reconhecendo isso. Mas não estamos obcecados”, diz o chef.
“No fim do dia, precisamos de um restaurante cheio para pagar as contas e os funcionários. O prestígio da estrela não paga ninguém.”
Em vez disso, McCauley já está sonhando com os pratos de 2025. “Devemos ter lindos linguados grandes em fevereiro, quando a água continua fria”, comenta.
“E no verão, eu sempre fico animado com os tomates incríveis, caranguejo, lagosta”.
Mas, se tivesse que apostar no trio de ingredientes que marcará o ano, ele já tem a resposta na ponta da língua: “Cordeiro, alho selvagem e aspargos.”
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