A primeira semana de Hugo Motta (Republicanos-PB) à frente da Câmara dos Deputados foi marcada por uma série de acenos para a oposição e por diversos recados ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por um lado, as movimentações agradaram, principalmente, lideranças da direita, enquanto a base aliada do Palácio do Planalto já sinaliza um desgaste com as sinalizações dadas pelo sucessor de Arthur Lira (PP-AL) na Casa.
A oposição se articula, por exemplo, para tentar avançar com o projeto apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS), que reduz o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa de oito para dois anos. A avaliação do grupo é de que, se aprovada até outubro deste ano, a mudança poderia liberar os direitos políticos de Bolsonaro para que ele concorra à presidência em 2026.
Contudo, o tema não é consensual no Partido Liberal. Parte dos parlamentares acredita que é difícil defender o tema, pois o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa pode beneficiar não só os perseguidos políticos, mas também indivíduos envolvidos com corrupção. O ideal, segundo afirmou uma voz influente do partido que pediu para não ter o nome revelado, seria a aprovação de um projeto para anistiar Bolsonaro especificamente.
Na semana passada, em pelo menos duas ocasiões, o presidente da Câmara afirmou que considera “muito extenso” o período previsto na Lei da Ficha Limpa, de oito anos de inelegibilidade. Na sexta-feira (7), em entrevista à rádio Arapuan FM, da Paraíba, Hugo Motta prometeu atuar de forma “imparcial” no julgamento do projeto da oposição que propõe a redução do prazo.
“Eu dei a minha opinião pessoal. Num sistema democrático em que você tem eleição de dois em dois anos, você não achar que oito anos é um tempo extenso no processo é você não reconhecer o sistema democrático. Oito anos na política brasileira é uma eternidade”, disse Motta.
Ainda segundo o presidente da Câmara, o projeto “veio à tona” com foco nas eleições de 2026 e em meio à discussão se Bolsonaro poderá ou não ser candidato. A expectativa é de que a proposta seja deliberada pelo Colégio de Líderes antes de um acordo sobre a tramitação em si.
“Vamos discutir com responsabilidade, dividir a decisão com o Colégio de Líderes, para ver se esse assunto deve ser priorizado ou não”, completou Motta.
PL da anistia volta ao centro das discussões na Câmara
Outro aceno feito por Motta aos parlamentares da oposição foi em relação aos condenados pelos atos de vandalismo do 8 de janeiro de 2023. Segundo o presidente da Câmara, os atos não foram uma tentativa de golpe de Estado, limitando-se apenas a depredações.
“O que aconteceu não pode ser admitido novamente, foi uma agressão às instituições. Uma agressão inimaginável. Agora, querer dizer que foi um golpe… Golpe tem que ter um líder, uma pessoa estimulando, tem que ter apoio de outras instituições interessadas, e não teve isso”, disse Motta.
Além disso, o deputado disse que a Câmara está “digerindo” a proposta que prevê anistiar os presos do 8 de janeiro. “Não posso chegar aqui e dizer que vou pautar a anistia semana que vem, ou não vamos pautar. Será um tema que vamos analisando, digerindo”, afirmou Motta.
As declarações foram vistas por integrantes do PL como uma forma de incentivo para que a oposição se mobilize para aprovar o projeto. No ano passado, o então presidente da Câmara, Arthur Lira, indicou que levaria a proposta para uma Comissão Especial. Agora, a articulação é para que o colegiado seja instalado por parte de Hugo Motta.
Vanessa Vieira, mulher de Ezequiel Ferreira Luís, condenado a 14 anos de prisão, Jane Duarte, viúva de Clériston da Cunha, que morreu na prisão, e seis crianças filhas de presos nos atos estiveram na Câmara. Aos prantos, Vanessa apelou publicamente por misericórdia de Hugo Motta e depois se encontrou em particular com ele. Fontes ligadas a Bolsonaro disseram que ele não participou do ato por acreditar que o foco principal da luta por anistia são os presos na manifestação, e não ele.
O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), ressaltou que o PL da Anistia é uma pauta “que dará a devida pacificação” ao país e disse que a bancada vai cobrar de Hugo Motta a votação do projeto direto no plenário.
Enquanto isso, lideranças parlamentares continuam a articulação política. “A gente está conversando e dialogando, a melhor forma, o melhor método, ainda tem uma conversa com o presidente Hugo para a gente avaliar. E inicialmente estamos conversando com os demais líderes. Porque o que importa são os votos”, disse o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ).
Na esteira das declarações de Motta, Bolsonaro também informou que está buscando outros partidos para fazer o PL da anistia avançar. Ele também elogiou o novo presidente da Câmara. “Essa pauta humanitária faz alegrar os nossos corações. Tenho conversado com parlamentares de outros partidos e todos comungam do mesmo sentimento. Orgulho ainda do jovem Hugo Motta, cabra da peste, que em boa hora assumiu a presidência da nossa Câmara dos Deputados”, disse o ex-presidente.
Base de Lula reage contra falas de Motta e governo avalia recados dos deputados
Na contramão da oposição, parlamentares da base do governo Lula reagiram aos acenos feitos por Motta às pautas da direita na Câmara. O principal incômodo por parte dos petistas foi justamente em relação ao projeto da anistia.
Sem citar a declaração de Motta, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirmou no X (antigo Twitter) que a votação do projeto é “descabida”. “Não se trata de atender o objetivo político deste ou daquele partido, mas de defender a democracia, respeitar e cumprir a decisão da Justiça sobre os ataques aos Três Poderes”, afirmou Gleisi.
O vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia (PT-MG), declarou que é um “negacionismo inaceitável” defender que os aliados de Bolsonaro não tentaram aplicar um golpe de Estado.
“Não vale um relatório de mil páginas aprovado no Congresso via CPMI? Não valem os múltiplos indiciamentos pela PF após provas e delações? Não valem as minutas golpistas na sede do PL? Não valem as bombas colocadas no aeroporto de Brasília e os planos de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes?”, indagou.
Além disso, os aliados do governo Lula viram com desconfiança as declarações de Motta sobre a agenda econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O chefe da pasta esteve reunido com o presidente da Câmara na semana passada para tratar sobre as prioridades do governo.
Motta solicitou, por exemplo, que o governo apresente as formas de compensação para aprovar a isenção no imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e cobrou mais responsabilidade do Executivo nos gastos públicos.
“A isenção é um projeto simpático. Quem é que não gostaria de aprovar um projeto que ajuda as pessoas que têm uma faixa de renda menor? Mas temos que ter muito equilíbrio para que uma medida como essa não venha a ter efeito ruim, já que temos hoje uma alta taxa de juros, o dólar chegando a níveis máximos. Isso traz um efeito principalmente no que diz respeito à inflação”, disse Motta.
Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente da Câmara criticou Lula ao dizer que o petista “falava para uma bolha” e que o governo erra na condução da economia. “Do ponto de vista econômico, o governo tem vacilado e deixado de tomar decisões necessárias. Isso tem trazido instabilidade”, afirmou o deputado.
Apesar das críticas do presidente da Câmara, Haddad fez um aceno ao deputado ao chamá-lo de “líder extraordinário”. “Vejo, na figura do deputado Hugo Motta, uma liderança extraordinária, que o Brasil já conhecia e passa a conhecer melhor agora em um cargo tão importante. Acompanhei o seu mandato até aqui, aliás o quarto [mandato]. Tenho satisfação de dizer que a relação entre nós, ao longo desses últimos dois anos, não poderia ser melhor”, disse Haddad em entrevista a jornalistas.