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MDHC premia projeto de combate à fome em periferia de Brasília — Agência Gov

O projeto ‘Um dia sem fome’ foi contemplado pelo Prêmio Cidadania na Periferia no eixo que reconheceu soluções comunitárias para segurança alimentar e alimentação saudável

Em uma das regiões administrativas mais vulneráveis do Distrito Federal, Vera Lúcia Guedes transforma domingos silenciosos de fome em dias de acolhimento. É na Estrutural, ao lado de uma das maiores favelas do Brasil – Sol Nascente e Pôr do Sol –, que sua ONG Um dia sem fome atua pela segurança alimentar e pela dignidade da comunidade. A iniciativa é uma das contempladas pelo Prêmio Cidadania na Periferia, promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

Além da comida, ela também compartilha afeto: são abraços e sorrisos que alimentam as pessoas em situação de rua que o projeto acolhe no único dia da semana em que o restaurante comunitário da região não funciona. “Eles se sentem humanos, se sentem gente, e isso é muito importante, porque a maior parte das pessoas que vivem em situação de rua são invisíveis, não são vistas pela sociedade”, lamenta Dona Vera.

Na Rua da Paz, um dia sem fome

Vera mantém uma pequena biblioteca comunitária e oferece aulas de reforço (foto: Gabriela Matos/MDHC)

Dona Vera inscreveu o projeto “Um dia sem fome” no Prêmio Cidadania na Periferia com a consciência e conhecimento de causa desse problema social, especialmente na Estrutural. Sua própria história a inspirou a erguer a ONG: a cozinheira relata que já passou pela situação de insegurança alimentar na adolescência – época que, segundo ela, é quando se sente mais fome.

Ao relembrar a leitura do livro “Quarto de Despejo”, da escritora negra Carolina Maria de Jesus, ela discorda da autora quando esta diz que a fome é amarela. “A fome é horrível, não tem cor, e só quem passou por ela sabe. A fome dói, e é uma dor que não passa com nada além da comida”, conta.

Também professora de magistério, Dona Vera possibilita o acesso à educação para a comunidade. Consciente da falta de oportunidades, ela mantém uma pequena biblioteca comunitária em seu espaço, onde oferece aulas de reforço para quem também precisa de ajuda nos estudos ou quer aprender a ler e escrever.

Com a ajuda de parentes e amigos, a cozinheira identificou que o trabalho voluntário – que sobrevive de doações – poderia ser enquadrado no eixo seis da premiação do MDHC, idealizado para reconhecer soluções comunitárias para segurança alimentar e alimentação saudável. A distribuição de marmitas acontece todos os domingos, na cozinha da casa onde Dona Vera mora com os netos, localizada na Rua da Paz.

“Toda hora chega gente pedindo marmita, é importantíssimo esse projeto. Sempre que eu posso, venho aqui pegar. Eu cuido de quatro netos e meu marido não trabalha, então às vezes eu peço duas, três, quatro. Sou muito grata, e não só eu, porque aqui tem muitas pessoas carentes”, afirma Sueli Justiniano Gomes, uma das muitas pessoas beneficiadas pelas marmitas de Vera.

Arroz, feijão e humanidade

Apesar da redução de 85% no índice de pessoas em situação de insegurança alimentar severa, de acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024), ainda há muitas pessoas que não têm o que comer, principalmente em bairros e comunidades periféricas. Dona Vera conta que algumas pessoas em situação de rua ou em contexto de vulnerabilidade podem até ter a comida, mas sem um local adequado para cozinhar, podem colocar elas e outras pessoas em risco. “Às vezes, eles querem fazer um fogão no meio do parque, mas é perigoso. De vez em quando tem incêndio”, diz.

A cozinheira conta que aprendeu os princípios básicos da gastronomia numa época em que morou em Salvador, e garante: não gosta de utilizar temperos prontos e faz uso de muito cominho, alho, cebola e muito amor. “Aprendi como fazer uma comida saudável, como misturar o feijão, o arroz, a carne, a salada e o ovo. Normalmente, para acompanhar o feijão com arroz, faço uma proteína animal e uma verdura, legume ou raiz”, conta.

Para a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Lilian Rahal, a insegurança alimentar é um desafio enorme para quem governa o país, e a fome precisa ser combatida com a urgência com que o problema se apresenta. De acordo com ela, a sociedade civil, junto com o poder público, tem dado passos importantes nessa direção. “O projeto ‘Um dia Sem Fome’ é um exemplo disso, pois reforça o papel das cozinhas solidárias, criadas por iniciativas locais da sociedade para atender a população mais vulnerável, no próprio território em que se encontram”, afirma.

Qualidade de vida

A insegurança alimentar pode gerar impactos severos na saúde física e mental, impedindo que as pessoas realizem plenamente suas atividades diárias. É o que explica a psicóloga e mestre em Psicologia Clínica e Cultura, Franciele Costa. “Imagina pensar e sentir no corpo que você não esqueceu de comer, mas que os alimentos são escassos na sua casa, na sua família, e não há muito o que se fazer”, reflete.

Encontrar soluções em meio à fome, tristeza, desânimo e angústia é um grande desafio, de acordo com Franciele. A psicóloga afirma que alguns grupos sociais são mais atingidos por essa realidade no país. “Pessoas negras, famílias monoparentais, principalmente chefiadas por mulheres, mães solo, é que são atingidas por essas condições de falta a acessos básicos como a alimentação”, afirma. Ela também analisa que a escassez de condições para alimentação permite que problemáticas como a violência e o uso abusivo de drogas se tornem presentes nas vidas de pessoas.

A nutricionista Zay Duarte reforça que, para uma boa saúde mental e física de pessoas em idade economicamente ativa, é necessário comer bem, já que a condição não afeta apenas o corpo, mas também a mente, a produtividade e a dignidade das pessoas. “Sem acesso adequado a alimentos nutritivos, crianças têm dificuldades de aprendizado, adultos perdem a capacidade de trabalhar com eficiência e toda a estrutura social se enfraquece”, explica.

Para Zay, combinar fontes acessíveis e nutritivas – como faz Dona Vera em suas marmitas – pode transformar vidas, e garantir segurança alimentar não se trata apenas de assistência social, mas de um investimento no desenvolvimento econômico e na qualidade de vida de uma população. “Sociedades bem nutridas são mais produtivas, inovadoras e sustentáveis. Combater a fome é um compromisso com o futuro”, defende.

De acordo com Lilian, o reconhecimento trazido pelo Prêmio Cidadania na Periferia, de iniciativa do MDHC, é uma forma do governo federal colocar luz em iniciativas parecidas. “O MDS se junta a todas as pessoas que celebram o trabalho de grupos da sociedade civil que contribuem com a redução da fome nos contextos comunitários”, comemora a secretária.

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Agência Gov

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