O Congresso Nacional realizou nesta segunda-feira (3) a primeira sessão após a eleição dos novos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). A cerimônia marcou oficialmente o início dos trabalhos do Legislativo deste ano e aconteceu em meio ao impasse sobre diversas pautas, como o Orçamento de 2025, a crise das emendas parlamentares, as discussões sobre a anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023 e o projeto de regulamentação das redes sociais.
Para tentar amenizar os embates com a Senado e a Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula Silva (PT) se reuniu na manhã desta segunda-feira com Alcolumbre e Motta no Palácio do Planalto. Durante o encontro, Lula sinalizou que os novos presidentes do Legislativo “não terão problema na relação” com o Executivo.
“Jamais eu mandarei um projeto para a Câmara dos Deputados, para o Senado sem antes ouvir a liderança dos partidos políticos, que são os que vão brigar lá dentro para aprovar”, disse Lula.
Apesar da ofensiva de Lula, interlocutores de Alcolumbre e Motta já sinalizam que ambos os presidentes pretendem se unir para blindar o Congresso da aliança entre o governo e o Supremo Tribunal Federal (STF). A medida marca uma mudança de postura em relação aos agora ex-presidentes Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), que divergiam publicamente sobre as agendas do Legislativo e nos embates com Judiciário e Executivo.
“É essencial que cada Poder respeite suas funções e limites. O Congresso tem sua autonomia e suas prerrogativas. Vamos trabalhar em harmonia com o Executivo e o Judiciário, mas sempre garantindo que a voz do povo, representada aqui neste Parlamento, seja a base de todas as decisões”, disse Alcolumbre na abertura dos trabalhos do Legislativo.
“Entre esses desafios, destaco a recente controvérsia envolvendo as emendas parlamentares ao Orçamento, que culminou em debates e decisões com o Supremo Tribunal Federal e o Poder Executivo”, completou Alcolumbre.
Na mesma linha, Motta aproveitou para sinalizar que a “harmonia será mantida com a independência entre os Poderes. “A praça, sempre lembremos, é dos três e não de um nem de dois Poderes. E quando não é dos três, não é a praça da democracia. E todos defendemos a democracia”, disse Motta.
Discussão sobre as emendas vai impactar na votação do Orçamento de 2025
O alinhamento nos discursos sinaliza, segundo deputados e senadores aliados dos novos presidentes ouvidos pela reportagem, que Câmara e Senado vão tentar construir uma unidade entre as duas Casas na defesa de prerrogativas. O primeiro teste dessa aliança será justamente na discussão para aprovação do Orçamento de 2025 pelo Congresso Nacional.
A proposta do governo ainda precisa passar pela análise da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que reúne parlamentares das duas Casas, e, posteriormente, ser aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado. Até lá, o Executivo está autorizado apenas a executar despesas obrigatórias.
“A junta de execução orçamentária se reuniu na semana passada e vai fechar a proposta de como redesenhar o orçamento a partir do impacto das medidas que aprovamos no final do ano passado. Quero finalizar essa discussão neste mês, para votarmos o orçamento na primeira sessão do Congresso, no início de março”, afirmou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, após encontro com Motta e Alcolumbre no Planalto.
Os parlamentares pretendem usar a proposta do Orçamento, justamente, para reabrir as negociações sobre as emendas parlamentares. A crise sobre esses recursos teve início no ano passado, depois que Flávio Dino, ministro do STF, determinou o bloqueio dos repasses diante da falta de transparência nas indicações.
As emendas orçamentárias são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais.
Relator do Orçamento, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) já indicou que a proposta seguirá na gaveta até que o impasse sobre as emendas seja solucionado. “Se não tiver acordo para liberar emenda, o Orçamento fica na gaveta. Não é bravata, não é arrogância. A gente vai prorrogando e prorrogando porque um Poder quer interferir num outro Poder”, disse o senador. Há pelo menos R$ 4 bilhões em emendas bloqueadas por Dino desde dezembro do ano passado.
Para tentar minimizar a crise com os novos presidentes da Câmara e do Senado, o presidente Lula defendeu um acordo definitivo entre o Judiciário e o Legislativo sobre o tema e disse que pode alterar as regras sobre os pagamentos. Alcolumbre hava dito em sua eleição no sábado que exigirá que acordos sejam cumpridos, já que o anterior feito entre Legislativo e Executivo foi invalidado com a intervenção de Dino.
Paralelamente, líderes do governo pretendem costurar um acordo nas próximas semanas para tentar evitar que a agenda do Planalto fique travada no Congresso.
“O nosso líder do governo do Congresso, senador Randolfe Rodrigues, já procurou e vai conversar tanto com o presidente da Comissão Mista do Orçamento quanto com o relator do Orçamento. É natural, eu sou parlamentar também, é absolutamente natural que os parlamentares defendam esse recurso da emenda e eu defendo o recurso da emenda”, disse o ministro Alexandre Padilha.
Durante o discurso na abertura do ano do Legislativo, nesta segunda-feira (3), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, citou a “controvérsia” sobre as emendas parlamentares. Ele disse que as decisões da Corte devem ser respeitadas, mas apontou que o Congresso não pode ser “cerceado”.
“A recente controvérsia sobre as emendas parlamentares ao Orçamento ilustra a necessidade de respeito mútuo e diálogo comum. As decisões do STF devem, sim, ser respeitadas, mas é igualmente indispensável garantir que este Parlamento não seja cerceado em sua função primordial de legislar, de representar os interesses do povo brasileiro, inclusive levando recursos e investimentos a todas as regiões do Brasil”, enfatizou.
PL da anistia e regulamentação das redes serão pontos de embate no Congresso
Outro ponto que vai trazer embates dentro do Congresso envolve o projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro. Após uma manobra de Arthur Lira para que tanto o PL, de Jair Bolsonaro, quanto o PT, de Lula, embarcassem na candidatura de Motta à presidência da Câmara, a oposição tenta agora que o tema volte a ser discutido pelos deputados.
“Vamos discutir com os líderes partidários e, quando a gente tiver os votos, vamos trabalhar para incluí-lo na pauta de votação”, afirmou Sóstenes Cavalcante (SP), líder do PL Câmara.
No domingo (2), Motta afirmou que o andamento do projeto da anistia deve ser decidido em reuniões dos líderes partidários nos próximos dias. “Este é o tema que mais divide a Casa hoje. Você tem o PL defendendo que se vote a anistia para os presos do episódio 8 de Janeiro, e você tem a esquerda, o PT, principalmente, defendendo que esse tema não seja votado na Casa. Como eu disse aqui, a pauta é decidida pelo presidente, com participação dos líderes. Com certeza, este será um tema levado para essas reuniões nos próximos dias”, disse.
Questionado sobre a fala de Motta, o ministro Alexandre Padilha afirmou que a fala de Motta foi “natural”. “Como presidente da Câmara, ele vai discutir qualquer tema no colégio de líderes para sentir a temperatura. O que vi dele foram falas em defesa da democracia e contra o período triste da ditadura no país. Do ponto de vista do governo, o Lula não foi eleito para tirar golpista da Papuda ou de qualquer prisão no país”, disse o chefe da pasta das Relações Institucionais.
Além da proposta da anistia, a expectativa do governo de tentar avançar com o projeto de regulamentação das redes sociais também já provoca embates no Congresso. A expectativa do Planalto é de apresentar uma nova proposta sobre o tema nos próximos meses.
Para tentar contornar as críticas por parte da oposição de que o governo tenta promover uma censura nas redes, o governo tenta agora investir na narrativa de que o projeto vai “proteger as pessoas, as famílias e os negócios dos crimes que acontecem no ambiente digital”. “Por exemplo, já aprovamos no Senado um projeto que protege crianças e adolescentes dos crimes que acontecem no ambiente digital, estabelecendo responsabilidades e protocolos para a retirada de conteúdo nas plataformas”, disse Padilha.
Parlamentares da oposição, no entanto, sinalizam que a pauta não terá espaço para avançar na Câmara. “Não vamos permitir que esse projeto avance. Vamos conversar com cada brasileiro e convocar a população a lutar pelos seus direitos. O governo federal quer calar a voz de milhares de pessoas e impedir que elas se manifestem contra seus interesses”, disse Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.
Apesar das divergências, discursos na abertura do ano do Legislativo pregam respeito entre os Poderes
Apesar dos embates no horizonte, os discursos de Alcolumbre e Motta na abertura do ano do Legislativo mencionaram o respeito e a independência entre os Podores da República.
“É essencial que cada Poder respeite as suas funções e seus limites. O Congresso tem a sua autonomia e as suas prerrogativas. Vamos trabalhar em harmonia com o Executivo e com o Judiciário, mas sempre garantindo que a voz do povo – representada pelo Parlamento – seja a base de todas as decisões”, disse durante a sessão de abertura do Legislativo.
Alcolumbre afirmou que volta ao comando do Congresso com o “objetivo claro de pacificação” do país, ressaltando que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário “não são adversários”.
O presidente do Senado também defendeu a necessidade de “respeito mútuo” entre os parlamentares. “Uma oposição consciente é necessária e é sempre bem-vinda na nossa democracia. Vamos encontrar os fundamentos comuns que nos unem: a cordialidade, o respeito mútuo e, principalmente, o diálogo. Precisamos voltar a ouvir antes de falar e falar sem agredir”, declarou.
Motta destacou a necessidade de manter a independência dos Poderes, com respeito às atribuições constitucionais de cada um, sem fazer referência ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No discurso, o presidente da Câmara também abordou a pluralidade de ideias no Congresso e a necessidade de construir consensos. “Penso que o nosso esforço como parlamentares deve articular os diferentes pontos de vista por meio de discussões francas dentro do Congresso Nacional”, disse.