Todo brasileiro merece visitar a Amazônia e degustá-la. Essa é uma afirmação que fica ainda mais intensa justamente quando colocamos os pés nesta que é a maior floresta tropical do mundo. Cobrindo quase metade de todo o território nacional, o emaranhado de rios, vegetações e espécies, junto dos conhecimentos de comunidades locais, nos transforma e nos enche de vida.
Estive na Amazônia diversas vezes e em diferentes estados. Desta vez, para o CNN Viagem & Gastronomia, retornei à floresta com a seguinte pergunta em mente: quais os sabores do Brasil?
A primeira parte desta resposta deu-se no estado do Pará, em que, das ostras ao açaí, passando pelo pirarucu e pelos frutos como bacuri e taperebá, experimentei um pouco dos sabores amazônicos. Isso porque a floresta pode ser um bom começo para entendermos nossas tradições e buscarmos diferentes aprendizados.
Após percorrer São Caetano de Odivelas e Belém, a busca por sabores nacionais saiu do Pará em direção ao Amazonas, mais especificamente no coração da selva, no exuberante Parque Nacional de Anavilhanas. Segundo maior arquipélago fluvial do mundo, ele se estende por 100 km em uma área de 350 mil hectares preenchida por 400 ilhas.
Ao longo do Rio Negro, o primeiro episódio da temporada especial CNN Viagem & Gastronomia: Sabores do Brasil foi finalizado por meio de banhos de rio, banquetes tradicionais na areia com peixes frescos e vivências de valor inestimável em comunidades ribeirinhas.
Anavilhanas e hospedagem na floresta
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Pouso das Castanheiras é hospedagem embrenhada no meio da mata com proposta de imersão na Amazônia através da comida e visita a comunidades locais • Reprodução/Instagram
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Sala de estar do Pouso das Castanheiras; casa possui três quartos, deque, cozinha e integração total com a mata • Reprodução/Instagram
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Época de cheia deixa o entorno do Pouso das Castanheiras com trilhas de igapó • Reprodução/Instagram
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O Parque Nacional de Anavilhanas nos presenteia com o melhor da Amazônia, com direito a vivências autênticas e refeições memoráveis com o que a floresta nos dá. A porta de entrada se dá em Novo Airão, município distante cerca de 2h30 de carro ou 50 minutos de hidroavião de Manaus. Se preferir voar, as vistas lá de cima são nada menos do que fascinantes.
Todo o trajeto é uma aventura, mas o objetivo foi chegar no meio da mata para uma hospedagem única: o Pouso das Castanheiras, uma residência à beira do igarapé dotada de três quartos que é refúgio perfeito para as descobertas do entorno.
Do porto de Novo Airão, pegamos uma lancha e em 10 minutos estamos no deque da casa, toda construída em madeira e com alma rústica, sem perder o conforto. Idealizado por três amigos, Thiago Cavalli, Roberto Vietri e Thiago Fontoura, o projeto nasceu para que as experiências singulares vividas por cada um deles na Amazônia fossem compartilhadas com outros visitantes.
O Pouso das Castanheiras, cujo nome homenageia as castanheiras centenárias dos arredores, fica em uma reserva particular de preservação ambiental de 26 hectares. O contexto aqui é claro: servir como meio de interação com a floresta da maneira mais respeitosa possível.
Os quartos contam com ar-condicionado e chuveiros quentes, mas, além dos móveis talhados por mãos locais e comidas com ingredientes regionais, luxo mesmo é sentir a temperatura da mata ao longo do dia, ouvir os animais e ser visitada por araras e macaquinhos. É sentir, aprender e se entregar para uma Amazônia nua e crua.
Entre peixes e frutos
Tudo isso se reflete por meio da mesa. A sala de jantar e a cozinha são o coração da casa, onde conversas são inspiradas pela natureza e ingredientes amazônicos são as estrelas. Uma equipe ajuda a preparar as refeições, do café ao jantar, todas inclusas nas diárias.
As boas-vindas já começaram assim: um brinde com frisante de araçá-boi com cachaça e vermute do Sítio Panc, agrofloresta em Manaus que recupera o solo, produz alimentos e dá cursos de agroecologia. Para o almoço, adentrei a cozinha e ajudei a preparar um pirarucu de casaca, delícia regional em que o peixe é seco e comemos como se fosse um escondidinho.
Um carpaccio de pirarucu defumado serviu de entrada, realçado pelo chutney de cubiu, chamado também de tomate-de-índio, preparado na hora. Da horta, peguei uma folha de jambu e fritei-a para acompanhar a entrada ao lado de castanhas.
A horta, inclusive, nos leva além: o Pouso das Castanheiras possui uma agrofloresta, situada em uma área de mata secundária que já recebeu roçado.
Ou seja, esta parte da floresta encontra-se em regeneração, em que a ideia é plantar um consórcio de diferentes espécies que se ajudam a desenvolver. O resultado é uma maior biodiversidade tanto para a hospedagem quanto para a sobrevivência de povos locais.
Aqui, ajudei a replantar algumas mudas que não haviam aguentado a estiagem passada. A escolhida foi uma árvore de graviola, a primeira que plantei na Amazônia. Foi um daqueles momentos em que me senti parte do todo. Por menor que seja o gesto, possui um impacto grandioso.
Comunidades ribeirinhas e a farinha de mandioca
Uma vez em Anavilhanas, a visita a comunidades ribeirinhas ao longo do Rio Negro torna-se uma atividade quase que obrigatória após entendermos o contexto da floresta. A viagem fica mais saborosa quando fazemos este turismo de comunidade, em que ajudamos e fortalecemos a população local.
Dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, na margem direita do rio, a Comunidade Santo Antônio foi fundada em 1980 para preservar o modo de vida tradicional dos ribeirinhos. Ela é uma das cerca de 19 comunidades que fazem parte da reserva, que abraça uma área de mais de 100 mil hectares.
A comunidade está aberta a visitas e quem me recebeu foi Dona Rose, líder local que ensina a fazer a farinha de mandioca. Feita de maneira artesanal na pequena propriedade, a farinha é indissociável da renda e da identidade cultural da comunidade, assim como de várias outras ao longo da Amazônia.
Depois de colhida, a mandioca é descascada e colocada em um motor para sair moída. “Daí vem a polpa, que vai ser transformada em farinha. Essa massa vai para a peneira para ficar soltinha e então para um forno a lenha bem quente para ser torrada”, explica Dona Rose.
Em cima do forno a lenha fica uma espécie de chapa, em que a massa é depositada aos poucos para ser mexida em um movimento de vai e vem. Ela deve assar por mais de 20 minutos, até que fique bem amarelinha.
Após mergulhar no processo, nada mais justo do que saborear o produto em um almoço na comunidade vizinha, a Tiririca, que possui um singelo restaurante onde frango, ovo e a farinha formam um dos pedidos mais apetitosos.
A ida às comunidades pode ser uma parte do roteiro, em que passeios de barco, banhos de rio, trilhas e caminhada até as Grutas do Madadá, no meio da floresta, repletas de raízes e troncos, também são possíveis em Anavilhanas.
Após uma noite de sono pincelada pelos sons da floresta, os dias aqui podem começar com um tradicional X-caboquinho, sanduíche amazônico com lascas de tucumã, banana pacovã frita, queijo coalho e manteiga.
Mas, para terminar com chave de ouro, as noites entre os meses de agosto e fevereiro, época de seca, quando surge uma praia ao lado do Pouso das Castanheiras, são motivo para uma piracaia.
A cerimônia é marcada pelo tambaqui assado na brasa, em que devemos comê-lo com as mãos sentados na areia. É um verdadeiro banquete que coroa a transformação que a Amazônia nos causa.
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