Gordon Ramsay
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Peça para alguém nomear um chef dos Estados Unidos – a resposta quase certamente será Gordon Ramsay. Enquanto a maioria dos chefs do seu calibre busca estrelas Michelin, ele não parou por aí: com um nome tão reconhecível quanto qualquer marca global, ele não está apenas no comando de um conglomerado culinário global, que conta com 94 restaurantes, mas também de um império midiático bilionário. Ramsay é, sem dúvida, um dos chefs mais bem-sucedidos de todos os tempos.
Ainda assim, três décadas de carreira depois, ele se tornou uma caricatura de fúria e genialidade para o observador casual — mais conhecido por desmontar restaurateurs iludidos na televisão, transformar aqueles abertos aos seus conselhos em negócios viáveis e, claro, colocar duas fatias de pão entre a cabeça de uma mulher para criar um “idiot sandwich” em um dos memes mais duradouros da internet. Embora sua viralização tenha certamente impulsionado sua fama, aos 58 anos, Ramsay é muito mais do que uma personalidade da mídia ou um chef; ele é uma força econômica.
Nada reflete isso mais do que seu mais recente empreendimento: o 22 Bishopsgate, agora o destino gastronômico mais alto de Londres, erguendo-se a 62 andares. O projeto multínivel abriga quatro conceitos distintos — Lucky Cat, Restaurant Gordon Ramsay High e a Gordon Ramsay Academy, que em breve será seguida por uma nova unidade do Bread Street Kitchen.
“Tivemos que enfrentar uma concorrência feroz para conseguir esse espaço”, diz Ramsay. “Você olha para The Shard, The Walkie-Talkie, The London Eye, todos esses edifícios icônicos com os quais crescemos. Nunca pensei que teria dinheiro ou seguidores suficientes para criar algo assim. Para ser sincero, é a realização de um sonho.”

Lucky Cat Bishopsgate
Lucky Cat Bishopsgate
Mas sonhos não são baratos. Nas estimativas de Ramsay, seu grupo de restaurantes já gastou mais de £20 milhões (R$ 128 milhões) no projeto. “Temos um dos aluguéis mais caros do mundo para pagar, e dependemos de um grande fluxo de clientes para isso, mas estamos recebendo uma média de 1.000 ligações por dia. Acho que já temos 20 mil reservas registradas. Isso são números de estádio.”
Os riscos são enormes — não apenas financeiramente, mas em termos de expectativas. Há centenas de assentos para preencher todas as noites, cerca de 250 funcionários para gerenciar e, com um local desse porte, erros de cálculo não são uma opção. “Estou sentindo a pressão, mas acho que a pressão é saudável. Estamos bem preparados e tivemos uma trajetória incrível até aqui. Não é a nossa primeira experiência.”
Na verdade, é quase a experiência de número 100 — quase trinta anos após sua incorporação em 1998, a Gordon Ramsay Restaurants tem 37 localizações no Reino Unido, 35 nos EUA e 22 internacionalmente, abrangendo Xangai, Coreia do Sul, Malásia, França, Dubai, Singapura e Tailândia.
Um negócio construído tanto com instinto quanto com estratégia, a joia da coroa de seu império — o Restaurant Gordon Ramsay, em Chelsea — manteve três estrelas Michelin por mais de duas décadas, enquanto o grupo acumula um total de 8 estrelas Michelin internacionalmente.
Em todo o portfólio do grupo, Ramsay dominou o equilíbrio entre alta gastronomia e o tipo de apelo em massa que garante que seu nome permaneça sinônimo da indústria. Seus restaurantes Hell’s Kitchen, inspirados em seu programa de TV de longa data, tornaram-se locais de peregrinação para os fãs — especialmente a unidade de Las Vegas —, onde as filas são constantes, e um beef Wellington é tanto um item do cardápio quanto uma lembrança.

Lucky Cat Bishopsgate
Prato de sushi no Lucky Cat Bishopsgate, liderado pelo chef executivo Michael Howells
E então há o Lucky Cat — um conceito enraizado em suas viagens pelo sudeste asiático, desenvolvido ao longo de décadas. “Quando comecei em Paris, lembro-me de trabalhar com o saudoso Joël Robuchon, e isso foi icônico. Ele tinha essa fusão japonesa, e foi a primeira vez que vi aquela maravilhosa mistura entre a Ásia e a ‘haute cuisine’. Depois vi que ele estava abrindo um restaurante no Japão e, quando terminei em Paris, fui para Kyoto, querendo entender o motivo de tanto burburinho.”
A curiosidade se transformou em imersão total. Ele fez uma turnê de três meses pelo sudeste asiático, seguida por uma viagem ao Camboja e ao Laos para se aprofundar ainda mais. “Eu não conseguia acreditar nos aromas, na percepção”, diz ele. “Sempre quis ser aquele chef que conectasse esses pontos com respeito, destacando a cultura, entendendo como eles comem e depois tornando isso atraente para o paladar ocidental. É um trabalho delicado.”
A primeira versão do Lucky Cat foi inaugurada em Mayfair em 2019, projetada como uma carta de amor aos bares de Tóquio e aos refúgios noturnos de Xangai. Foi um sucesso instantâneo — escuro, elegante, íntimo, com um cardápio que equilibrava técnica e indulgência. Quatro anos depois, ele voltou seus olhos para Miami — uma cidade em meio ao seu próprio renascimento culinário — e o momento não poderia ter sido melhor.
Inaugurado em fevereiro de 2024, em meio ao que muitos chamam de o mais empolgante renascimento gastronômico da cidade em décadas, o lançamento pareceu diferente — mais do que apenas outro chef renomado reivindicando seu espaço em South Beach.

Kris Tamburello
Lucky Cat Miami
Por mais exorbitante que o aluguel de imóveis em Miami Beach possa ser, a escolha foi calculada, reconhecendo a evolução da cidade de um local de festas passageiras para um destino gastronômico global, com uma clientela exigente ao longo do ano. O próprio restaurante reflete essa mudança: elegante, mas acolhedor; luxuoso, sem ser pretensioso; oferecendo uma combinação dos pratos internacionais clássicos do Lucky Cat e diversas criações exclusivas. A equipe por trás do projeto é uma das mais fortes que Ramsay já montou: chefs de classe mundial, uma equipe de atendimento que compreende a energia da cidade e um programa de bebidas pensado para atrair o público noturno, sem perder o foco na gastronomia.
A aposta parece ter dado certo — desde a inauguração, o Lucky Cat Miami se tornou um dos restaurantes mais comentados da cidade, com reservas esgotadas semanas antes.
Não surpreende que o Lucky Cat não apenas tenha se tornado parte do 22 Bishopsgate, mas o grande destaque do local, com a marca forte o suficiente para ocupar o topo do mais alto destino gastronômico de Londres, oferecendo mais de 30 pratos exclusivos criados pelo chef executivo Michael Howells.

Gordon Ramsay
Gordon Ramsay no Lucky Cat Bishopsgate
No entanto, como em tudo que leva o nome de Ramsay, o Lucky Cat não ficou isento de críticas. O lançamento original em Mayfair gerou debates sobre quem tem o direito de cozinhar determinadas culinárias — uma discussão que tem ganhado força no mundo gastronômico.
Ramsay, que passou anos estudando as culinárias que o inspiram, enxerga a questão de forma diferente. “Passo muito tempo nos Estados Unidos, e alguns dos chefs mais renomados da Califórnia que comandam restaurantes japoneses são mexicanos. O que isso diz?”, ele questiona.
“Não se trata da sua etnia ou origem. Se você é bom o suficiente para o trabalho, deve ter essa oportunidade. Acho incrivelmente depreciativo apontar o dedo para alguém e dizer que não pode cozinhar culinária italiana porque não é de Nápoles. Isso não faz sentido. Além disso, não é bom ensinar jovens chefs a serem mente-fechada e limitados às suas próprias raízes culturais.”
Ele suspira. “Tudo o que fazemos sempre atrai uma porcentagem de negatividade e críticas. Estou acostumado com isso. Hoje tenho a pele dura como a de um rinoceronte, sempre cutucado e provocado — o segredo é não morder a isca e focar no trabalho do dia a dia.”
No Bishopsgate, esse trabalho atingiu novos patamares — embora não sem controvérsias. Segundo Ramsay, houve casos de casais utilizando os banheiros do restaurante como se fosse o “mile high club”, devido à altura nível das nuvens, além de relatos de clientes furtando os descansos de hashis em forma de gato dourado, causando um prejuízo superior a £2.000 (R$ 12.744) apenas na primeira semana.
“Também falei demais na semana passada e disse: ‘bem, se estiver nublado, eu pago a conta!’. Claro que depois recebi e-mails de pessoas dizendo ‘estava nublado, quero o reembolso do meu jantar’. E eu pensei, ‘ah… droga’”, ele ri.

Restaurant Gordon Ramsay High
As vistas do Restaurante Gordon Ramsay High
Por trás da atitude confiante, o império de restaurantes que Ramsay construiu — e os riscos que ele assume para expandi-lo — não foram conquistados facilmente. Em 2010, ele enfrentou uma polêmica pública com seu sogro — que cuidava das finanças do Gordon Ramsay Holdings — após descobrir irregularidades financeiras e acusá-lo de má gestão dos fundos da empresa. A ruptura foi drástica, envolvendo processos judiciais, trocas de acusações públicas e uma reestruturação que forçou Ramsay a assumir o controle do negócio sozinho.
“Após essa crise, precisei segurar as rédeas pela primeira vez. De repente, esse chef fundador virou o maldito CEO, CFO, COO”, ele gesticula. “Tive que reconstruir. Precisei entender muita coisa: como analisar o balanço financeiro? Como sentar com o conselho diretor diante do banco?”
Foi um aprendizado rápido e intenso, mas que redefiniu o rumo do seu império. “Atrás de todo chef de sucesso, é necessário haver uma mente de negócios. Mas, em geral, não somos bons nisso. Somos generosos demais, e precisa haver um limite. Você pode ser um dos chefs mais talentosos do mundo, com três estrelas Michelin, mas se não conseguir transformar isso em sucesso financeiro, será apenas um idiota ocupado.”
Em 2019, Ramsay percebeu que, se quisesse levar sua marca para o próximo nível, precisaria de mais do que talento e instinto — ele precisava de capital. “Coloquei meu chapéu de empresário. Conversei com diversos investidores e a Lion Capital foi a parceira perfeita.”
A Lion Capital, conhecida por apoiar marcas de consumo em rápido crescimento, já havia ajudado a escalar negócios como Weetabix, Wagamama e Kettle Foods. Seu investimento de US$ 100 milhões (R$ 600 milhões) na Gordon Ramsay North America marcou um ponto de virada, não apenas em termos de expansão, mas também na estruturação da empresa.
“Saí daquela reunião de 90 minutos gostando, respeitando e confiando neles. Não se tratava de um plano de três ou cinco anos para um IPO ou uma saída. Eles disseram que estavam comigo, e acho que esse foi o selo final do acordo.”
O investimento permitiu que Ramsay expandisse de forma agressiva pelos EUA e, finalmente, mudasse sua perspectiva sobre propriedade. “Eu nunca teria crescido assim sem eles e sem abrir mão de 100% da propriedade. Você não quer ter 100% de algo pequeno, mas sim 50% de algo grande…”
Bishopsgate está a anos-luz de onde seu negócio estava seis anos atrás — mais distante ainda da pequena casa em Stratford-upon-Avon, onde cresceu lavando louça em um restaurante indiano local — e ele não esquece o que foi necessário para chegar até aqui.

Restaurant Gordon Ramsay
Restaurante Gordon Ramsay com três estrelas Michelin
“Sim, é uma jornada pessoal. Mas quando se tem o tipo certo de combustível e o tipo certo de suporte, deixa de ser sobre emoção e passa a ser sobre determinação.”
Mas reconhecimento, influência e o tipo de sucesso que permite construir restaurantes inteiros a 60 andares acima de Londres não vêm sem um preço. Ramsay sabe disso melhor do que ninguém.
“Fama. Eu odeio essa palavra fama. E eu não uso muito a palavra ‘odeio’”, diz Ramsay. “Não escolhi ficar famoso, escolhi me ocupar. Escolhi dominar o meu ofício. Escolhi continuar insistindo nisso.”
É uma distinção que importa. A personalidade da TV é um subproduto do chef, e não o contrário. “Não, eu não sou um chef de TV. Não me chame disso. Sou um chef que trabalha na TV. Há uma grande diferença, certo? E isso não é de forma defensiva, apenas não estaria aqui há tanto tempo se não continuasse me conectando, me adaptando e aprendendo.”
“Você não gosta da palavra com ‘F’ (fo**-se)?” ele é perguntado, divertido, sabendo que nenhuma palavra na língua inglesa está tão associada a uma pessoa quanto o famoso “f***” a Ramsay.
Ele ri, endireitando-se na cadeira. “Eu adoro a palavra ‘f***’. É a linguagem da indústria. Eu xingo meu filho de manhã para ele se apressar e comer os malditos Cheerios? Não, ele tem cinco anos, mas soltar um ‘f*** off’ (vai se *****) é algo tão bonito. É uma coisa maravilhosa. Por favor. F*** off.”, ele sorri.
Antes de pegar a dica e deixá-lo voltar ao trabalho, é inevitável perguntar: o que ainda falta conquistar como chef e empreendedor?
“Ainda tem um objetivo. São as três estrelas na França. Não sei por quê, mas temos duas estrelas em Bordeaux. De forma meio estúpida, sim, esse é um objetivo”, ele ri. “Eu conheço o meu ofício.”
Mas só o talento não constrói um império, nem o sustenta. “Sinceramente, não quero ficar acorrentado ao fogão. Não quero morrer atrás do balcão, sofrer um ataque cardíaco enquanto cozinho. Quero ensinar. Quero elevar o mundo culinário e continuar preparando talentos. Essa é a responsabilidade agora.”