Uma das grandes delícias de descobrir os sabores regionais que moldam o nosso Brasil é estar ao lado dos chefs que fazem o primoroso trabalho de traduzir suas terras, biomas e ecossistemas no prato. Isso sem falar nos traços culturais e nas tradições que, mesmo em restaurantes contemporâneos, são olhados com muito respeito, ganhando novos patamares.
Foi isso que fiz durante os episódios da temporada CNN Viagem & Gastronomia: Sabores do Brasil, especialmente durante a passagem no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Para finalizar a busca pelos sabores do Centro-Oeste, o estado de Goiás entrou nos meus planos de uma forma apetitosa.
Desta vez, o chef goiano Ian Baiocchi foi o anfitrião pela viagem em busca das comidas e dos ingredientes que tornam o estado único. A jornada por estas bandas terminou em Goiânia, mas teve pontapé na zona rural, naqueles lugares de sujar o sapato e conferir de perto de onde saem as matérias-primas que recheiam os cardápios da capital.
O chef e a cozinha goiana
A cerca de uma hora de Goiânia, no município de Hidrolândia, a Fazenda Nossa Senhora Aparecida é a principal fonte de onde saem os produtos frescos e orgânicos que vão parar nas cozinhas do chef Ian.
Com passagem em casas paulistanas estreladas, como D.O.M. e Maní, o chef partiu para o outro lado do Atlântico, na Espanha, para adquirir ainda mais experiência em cozinhas como El Celler de Can Roca e Mugaritz, entre os melhores restaurantes do mundo.
Em 2012, quando voltou ao Brasil, passou a chefiar a cozinha do Palácio das Esmeraldas, a residência oficial do governador de Goiás. Ali, começou a dar forma ao trabalho que vemos atualmente: colocar à mesa sabores do Cerrado combinados com técnicas e tradições internacionais.
Em 2023, Ian foi eleito o chef do ano pelo Prêmio Melhores da Gastronomia, da revista Prazeres da Mesa. Hoje, o chef é o principal nome do Grupo Íz, que comanda uma legião de endereços em Goiânia, entre eles o contemporâneo Íz Restaurante, a 1929 Trattoria, o Grá Bistrô, e a sorveteria Alata.
“A cozinha de Goiás é particular porque, mesmo compartilhando ingredientes com outros estados inseridos nesse bioma, ela vai além do produto. O interessante é como essa cozinha se transformou ao longo do tempo e como as pessoas a eternizaram de alguma maneira”, conta o chef enquanto anda entre as plantações e estufas.
Fazenda, frango caipira e orgânicos
Na fazenda, o chef carrega apego às plantas, aos frutos e tudo o que utiliza em suas criações. Ele aponta para um amaranto, uma das plantas que mais gosta, que trouxe do Peru e que “fica linda na finalização dos pratos, com textura carnuda”.
Os microverdes, que são vegetais jovens, colhidos após a germinação, cheios de sabor e nutrientes, também estão ali e são queridinhos nas mãos de Ian. “Eles têm seu valor estético, mas também nutricional”, diz.
Ele ainda apresenta uma estufa de tomates que estavam no início da colheita. Os olhos do chef brilharam e logo desatou a exaltá-los.
“O tomate-chocolate é uma coisa que existe em outros lugares, mas o daqui é tão particular, tem um gosto diferente dos outros, que faz com que eu entenda cada vez mais esse terroir que o Cerrado traz. Por isso, cada vez mais enxergo as pessoas como os reais transformadores da nossa cultura alimentar”, crava o chef.
Depois da andança, a cozinha da fazenda foi inundada por um aroma delicioso de fogão a lenha. O frango caipira abatido na propriedade virou um daqueles pratos de querer repetir a dose, potencializado pela cebola (crescida aqui mesmo), que foi colocada na gordura que o frango soltou no fundo da panela.
A refeição ficou completa pela saladinha de tomate e pelo arroz com pequi, um símbolo imbatível de Goiás e do Centro-Oeste.
“Quando a gente fala sobre a cozinha goiana, o frango caipira é talvez o prato mais emblemático. E, trazendo influências do meu bioma, o arroz com pequi é maravilhoso. É aquele típico prato de domingo”, diz o chef enquanto saboreia um pezinho de galinha.
Cerrado elevado à alta gastronomia
Junto das tradições e da “comida de domingo”, que regem as paixões de Ian, o chef propõe um trabalho além. Em seu restaurante-assinatura, o Íz, em Goiânia, o primeiro de uma série de cozinhas internacionais que criou na cidade, ele foca no Cerrado, mas o eleva à enésima potência.
“Aqui sempre tento colocar o Cerrado em evidência, mas com cuidado para não deixá-lo caricaturizado. Eu insiro o Cerrado na forma de cozinhar em respeito ao lugar que estou, e isso se reflete também no uso do ingrediente”, conta o chef de dentro da cozinha do restaurante.
O Íz fica no Setor Marista, um dos bairros mais valorizados de Goiânia, e serve uma comida brasileira, mas de leve inspiração ibérica-latina. O slogan do chef é ser livre e criativo. Para exemplificar, o chef serviu uma espécie de babaganuche, prato inspirado na cultura árabe.
“É um babaganuche de quiabo que leva homus de semente de abóbora, lâminas de pupunha e um purê de casca de laranja.” Ele finaliza a criação – interessante e apetitosa, diga-se de passagem – com couve kale, me levando de volta à seção de microverdes da Fazenda Nossa Senhora Aparecida.
Com menus degustação, à la carte e executivo, o restaurante, aberto para almoços e jantares, é definitivamente uma escolha certeira no roteiro por Goiânia – e uma aula de como um olhar distintivo pode contar muito sobre o território em que o chef está inserido.
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