Tradicional companheiro das mesas brasileiras, o café está cada vez mais caro – e com tendência de alta para os próximos meses. Desde 2020, o preço do quilo de café moído para o consumidor mais que dobrou, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas nos últimos 12 meses até janeiro, a alta foi de 50,3%. Enquanto isso, o cafezinho consumido fora de casa ficou 10,5% mais caro.
Enquanto o preço avança, a preocupação cresce entre consumidores e torrefadoras. Como consequência, em 12 meses caiu 2,2% o consumo per capita de café torrado e moído no Brasil, que agora está em 5 quilos por ano, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).
A alta no preço do café trouxe, como consequência, um risco maior de desabastecimento de marcas e tipos nas prateleiras dos supermercados. Segundo o Índice de Ruptura da Neogrid, a falta de café nos estoques do varejo subiu de 9% para 11,1% em janeiro.
“Com os preços elevados e o poder de compra pressionado, a reposição de estoques no varejo desacelera, resultando na falta de alguns produtos, agravando o cenário”, explica Robson Munhoz, diretor de relações corporativas da Neogrid.
Nos bares e restaurantes, o problema também persiste. Muitos deles estão com dificuldades para reajustar os preços. Pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) revelou que 32% dos estabelecimentos não conseguiram reajustar os preços dos cardápios nos últimos 12 meses, enquanto 59% ajustaram abaixo ou acompanhando a inflação.
Segundo Paulo Solmucci, presidente da entidade, “o aumento de custos no café faz com que consumir em bares e restaurantes, em termos relativos, fique mais barato do que em casa”.
Escalada dos preços dissemina “café fake”
Com a escalada dos preços, o “café fake” tem se tornado mais comum no varejo. Segundo a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), são produtos que, apesar de apresentarem embalagens similares ao café tradicional, trazem composições que incluem cascas, folhas e até grãos defeituosos.
Esses “pós para bebida sabor café” também usam outras matérias-primas, como milho, cevada e até açaí, práticas proibidas pela legislação brasileira.
Algumas marcas de “café fake” afirmam ter como base de produção a polpa do café. A Abic afirma que a polpa é aderida naturalmente à casca do grão. Dessa forma, o uso dessa matéria-prima resulta, inevitavelmente, na presença de cascas no produto final, o que compromete a sua qualidade e caracteriza irregularidade na composição.
Na tentativa de combater esse problema, o Ministério da Agricultura realizou na semana passada operações de apreensão em fábricas em estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, encontrando irregularidades graves nas matérias-primas utilizadas.
Clima no Brasil levou a aumento no preço do café
No Brasil, maior produtor mundial de café, as questões climáticas seguem prejudicando o setor. Segundo a consultoria de agronegócio do Itáu BBA, o país não conseguiu atingir seu potencial produtivo pela quinta safra consecutiva.
No ano passado, a seca prolongada resultou em um déficit hídrico acumulado superior a 400 mm em Minas Gerais, diz Fernando Couto, engenheiro agrônomo da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado (Expocacer).
“Além disso, as altas temperaturas e as geadas causaram danos diretos, como queima de ramos produtivos, e indiretos, incluindo desordens fisiológicas, que reduziram o potencial produtivo”, diz.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção da próxima safra, que começa a ser colhida em maio, alcance 51,8 milhões de sacas de 60 kg, uma redução de 4,4% em relação à colheita anterior.
Embora as chuvas desde outubro tenham favorecido o desenvolvimento inicial das plantações, as temperaturas elevadas e as poucas chuvas em fevereiro já geram preocupações, aponta o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), órgão de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). Este é um período crucial para o desenvolvimento final das lavouras.
Cenário global: preços recordes e mais desafios
A preocupação com o preço do café não é exclusividade do Brasil. No mercado internacional, a cotação da commodity atingiu, em janeiro, os maiores níveis nominais desde 1977, segundo a Organização Internacional do Café (OIC).
Andrea Illy, CEO da torrefadora italiana Illycaffè, afirmou à Bloomberg que as recentes elevações nas cotações do café no mercado internacional deverão ser repassadas aos consumidores, o que pode impactar negativamente a demanda. Segundo ele, o aumento nos preços finais pode variar entre 20% e 25%. A Starbucks, maior rede de cafeterias do mundo, está revendo seus planos de negócio, destacou o Wall Street Journal na semana passada.
A Organização Internacional do Café (OIC) alerta para o impacto de outros fatores, como o risco de mudanças nas tarifas de importação nos Estados Unidos. Alguns dos principais fornecedores mundiais de café podem fazer parte da revisão de tarifas que o governo Trump está realizando.
Outra pressão para a alta vem da Europa, maior consumidora mundial de café. As taxas de juros referenciais no continente caíram pela quinta vez consecutiva. Segundo a OIC, esse cenário pode incentivar o aumento da demanda, contribuindo para a manutenção da alta nos preços.
Na última safra, o consumo global de café cresceu 2,2%, com destaque para a América do Norte, onde a demanda avançou 3,8%. Contudo, países como o Vietnã e a Indonésia, que estão entre os maiores fornecedores mundiais, enfrentaram condições climáticas ruins que afetaram a produção. O Vietnã, por exemplo, teve uma queda de 17,2% nas exportações de café no último ano. E o problema continua no início deste ano, informa a agência de notícias Reuters.