No Centro-Oeste, a terra molda os sabores e a água sustenta a vida. Brinco que aqui há um fruto e um peixe para cada dia do ano, tamanha a diversidade de fauna e flora que encontramos por estas bandas. E essa riqueza se traduz na cozinha, que mistura lindamente influências indígenas, costumes tropeiros e heranças pantaneiras.
Você já ouviu falar da guavira? Ou ainda do jaracatiá? Experimentou piraputanga, pacu, dourado e pintado assados? Estas matérias-primas e mais uma pluralidade de ingredientes formam um pouco do que pude experimentar na região para a temporada especial CNN Viagem & Gastronomia: Sabores do Brasil.
A jornada pelo Centro-Oeste não poderia começar de uma forma mais “bonita”, já que pisei justamente em Bonito, no Mato Grosso do Sul, para mergulhar em seus rios, adentrar suas trilhas, me banhar em cachoeiras e, claro, apreciar a rica culinária local.
Distante cerca de 300 quilômetros de Campo Grande, Bonito fica na transição entre o Cerrado e o Pantanal, juntando forças de ambos os biomas. O interessante é que os arredores da cidade também possuem rastros da Mata Atlântica, em que podemos observar essa simbiose quando nos embrenhamos na natureza.
Sabores sul-mato-grossenses

Essa mescla cultural e natural resulta em matérias-primas e criações para lá de saborosas, que vão parar nas mesas de restaurantes locais e nas mãos de chefs que respiram e defendem esta terra.
Um destes personagens é Sylvio Trujillo, chef e proprietário do restaurante Bacuri Cozinha Regional, no centrinho da cidade. De pegada rústica e paredes recheadas de fotos dos rios do entorno, a casa nos serve sabores sul-mato-grossenses com foco nas tradições bonitenses.
“Vejo essas culturas e biomas entranhados na nossa gastronomia. Estamos onde ocorreu a guerra da tríplice aliança, a Guerra do Paraguai, que nos trouxe a cultura da pesca e indígena, assim como a cultura de fronteira e a pecuária, resultando num balaio que se chama Mato Grosso do Sul”, conta o chef.
No restaurante, a guavira, frutinho amarelo parente da pitanga, vai parar em drinques e em pratos; a chipa guazú, a “prima rica” da sopa paraguaia, vem tostadinha; e a piraputanga, a “princesa do Rio Formoso”, chega à mesa com legumes puxados no missô.
Para Sylvio, um dos pratos mais especiais é o sashimi do piloteiro. “É um prato cultural sul-mato-grossense. Só quem é pescador do Rio Miranda e do Rio Paraguai conhece essa tradição. O piloteiro é o guia das pescas e tradicionalmente pega um peixe muito fresco e o fileta”, explica. Cada piloteiro tem o seu molho: o da casa é à base de pimentão amarelo, óleo de urucum e especiaria da guavira.
O banquete foi brindado ainda com um espumante de uma vinícola pantaneira, a Terroir Pantanal, que possui a linha Florada dos Ipês, feita em parceria com vinhedos do Rio Grande do Sul. Após o brinde, a sobremesa: doces de fazenda rechearam a mesa e trouxeram um sabor da estação. Guavira em calda e jaracatiá finalizaram com chave de ouro.
Por falar em jaracatiá, você sabe como é feita a extração de sua polpa para que vire um doce? Projetos com pequenos produtores da região ajudam a preservar a árvore ao mesmo tempo que se sustentam dela.
A árvore de jaracatiá tem uma casca grossa, a qual é cortada em pequenos pedaços e removida. Esse “tampo” sai com a polpa, que é uma parte mais molhadinha. Após cortada a polpa, a casca é colocada de volta na árvore. A polpa segue para ser ralada e levada ao fogão com açúcar, resultando em uma textura brilhante. É delicioso e, uma vez em Bonito, vale passar nas lojinhas para levar um vidro da iguaria para casa.
Pacu e churrasco pantaneiro

As delícias culinárias do Centro-Oeste não terminam por aqui. A chef Magda Moraes, por trás do Aipim Restaurante, em Campo Grande, se encontrou comigo na Fazenda Santuário, minha casinha nos dias em que fiquei em Bonito.
Imagine um casarão com ambientes abertos, móveis modernos, atmosfera aconchegante, piscina de borda infinita e paisagens verdes a perder de vista. Tudo isso coroado com uma cozinha caprichada, que nos convida a celebrações em torno do fogão e da mesa.
Foi isso que fiz ao lado de Magda, que preparou um pacu assado na folha da bananeira recheado com farofa de banana da terra, servido com arroz de guariroba e pirão. De entrada, um caldinho de piranha com sopa paraguaia abriu os caminhos. Foi aquela refeição de repetir o prato.
A cozinha pantaneira é uma pluralidade. É uma maneira de experimentarmos a vivência das pessoas do Pantanal, sendo o retrato do homem pantaneiro
Magda Moraes, chef do Aipim Restaurante
Enquanto ela preparava o pacu, brindamos o encontro com uma caipirinha de tereré, feita com erva mate triturada de maneira mais grossa, diferente do chimarrão, por exemplo, que tem a erva mais fina.
Para o jantar, mais uma tradição: o churrasco pantaneiro. Ele é improvisado no chão e, na ocasião, foi preparamos uma ponta de costela e um surtum, corte tipicamente pantaneiro que é Patrimônio Imaterial da cidade de Corumbá.
Acompanhados de uma bela salada, os cortes só puderam ser apreciados depois do toque do berrante, ato simbólico que dá o pontapé à boiada.
Boca da Onça e sinfonia pantaneira
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Daniela Filomeno faz rapel de 90 metros de altura na Fazenda Boca da Onça • CNN Viagem & Gastronomia
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Janela para o Céu faz parte do circuito natural da Fazenda Boca da Onça • CNN Viagem & Gastronomia
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Cachoeira Boca da Onça é a mais alta do Mato Grosso do Sul, com 156 metros • CNN Viagem & Gastronomia
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Entre uma descoberta culinária e outra, nada melhor do que passear pela região e se deparar com as maravilhas naturais que só Bonito possui. Digo que a cidade é daqueles destinos que podem ser repetidos várias vezes dada a quantidade de atrações.
E um dos melhores locais para vivenciar o ecoturismo e o turismo de aventura é na Fazenda Boca da Onça, na zona rural de Bodoquena, nos arredores de Bonito. Pense em trilhas, rapel e banho de cachoeira, mas eleve a sensação – e a beleza – à enésima potência.
Dentro da fazenda fica a cachoeira mais alta de todo o estado, a Cachoeira Boca da Onça, cujo véu d’água cai de maneira sublime de uma altura de 156 metros. O período de chuva, entre novembro e março, faz com que ela atinja toda a sua formosura, e a boa notícia é que a piscina natural aos seus pés é aberta para banhos.
Aqui podemos ouvir a sinfonia das araras e nadar ao lado de peixes em meio a um cenário de cair o queixo. Como a fazenda fica na Serra da Bodoquena, trilhas estão garantidas e nos levam até o mais alto rapel de plataforma negativa do país, em que descemos a uma altura de 90 metros.
A adrenalina faz o coração acelerar, mas as vistas inegavelmente lindas ajudam a equilibrar a emoção. Equipada com receptivo e restaurante, a fazenda ainda tem nove pontos para banho, dentre eles o Buraco do Macaco e a Janela para o Céu, também imperdíveis.
Depois da aventura, que tal finalizar a viagem com mais um almoço típico? Foi o que fiz ao lado da chef Juanita Battilani, nome por trás do Juanita Restaurante, outro endereço no centro de Bonito que deve constar no roteiro.
Juanita é daquelas pessoas que nos cativam pelo sorriso e pela defesa da comida pantaneira, já que faz uma tradução de elementos paraguaios e brasileiros com receitas que levam somente ingredientes frescos.
O pacu na brasa é especialidade do restaurante junto das tirinhas de jacaré e da caipiroska de guavira. Mas a receita escolhida para o meu almoço foi a sinfonia pantaneira, um prato caldoso com influência dos indígenas guatós que leva cauda de jacaré, pintado e carne de pacu. “É a cara do pantaneiro”, arremata a chef.
A caldeirada leva temperos caseiros e pimentões, formando uma verdadeira sinfonia de cores e sabores, resumindo bem a imersão pelos sabores do Centro-Oeste.
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