Uma das cidades mais carnavalescas do Brasil e que deverá receber nos próximos dias ao menos oito milhões de turistas, o Rio de Janeiro vive uma nova e preocupante escalada de violência. Arrastões viraram realidade comum nas praias como Leme e Copacabana. O índice de roubos de rua cresceu 23% e o de veículos 64% em um ano na área que engloba a Marquês de Sapucaí e onde desfilam os principais blocos de rua. Analistas de segurança atribuem a alta à leniência do governo federal com a criminalidade e o governador Cláudio Castro busca ajuda em Brasília e até no exterior para tentar conter a espiral de violência.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, em 2024 ocorreram 21.156 roubos de rua na Região Integrada de Segurança Pública 1, que engloba a zona sul, o centro e parte da zona norte da capital. No ano anterior, o número foi de 17.170. O número de ocorrências de roubos de carros passou de 4.953 em 2023 para 8.159 em 2024.
Esse crescimento ocorreu na área onde está a maior cobertura policial do Estado, justamente por ser enxergada como uma espécie de vitrine não só do Rio, mas do Brasil para o exterior. O ISP ainda não disponibilizou dados de 2025, mas os moradores já sentem a diferença e temem pelos turistas no Carnaval. O advogado Mauro Salgueiro nasceu em Copacabana e diz que, após 55 anos no bairro, pensa pela primeira vez em deixar a cidade, por causa da alta na violência.
Segundo ele, os arrastões na praia, que ao serem registrados em 2018 em vídeo ajudaram a deflagrar a Intervenção Federal na Segurança Pública, agora se tornaram relativamente comuns. Moradores se organizaram em grupos chamados Anjos da Guarda, que se comunicam entre si e acionam a polícia ao verem pessoas com atitudes suspeitas.
“Há hoje no Rio grupos de moradores que se comunicam por aplicativos de trocas de mensagens tentando evitar e alertar a polícia no que der. E outros lobos solitários, como eu, que se juntam e tentam ajudar no que puder, à população e a esses grupos”, afirmou.
Salgueiro conta que os grupos recebem intimidações. “Recebemos ameaças pelas redes sociais e até e-mail como acaba de acontecer com o líder dos Anjos da Guarda RJ. Após prisões, eles [criminosos] comumente falam “vou sair e sei onde você fica”, afirma.
O advogado explica que os policiais militares em sua maioria apoiam os Anjos da Guarda. Para ele, o pior acaba vindo de um nicho da população que “defende o bandido”. “Essa é a maior resistência. Sempre aviso para se afastarem e digo que tudo está sendo feito na legalidade. E se preciso usar a força, ela será usada para me proteger e aos cidadãos de bem, mas já tive problemas. Até hoje deu tudo certo, mas sabemos do risco”, reitera.
No meio da semana passada, uma Clínica da Família na Zona Norte do Rio anunciou que vai funcionar das 8h às 16h pela insegurança na região. A medida seguiu orientação da Secretaria Municipal de Saúde e permanecerá até que haja condições para retomar o horário normal, até o início da noite. Na semana anterior, outra unidade na mesma região adotou orientação parecida.
Na quarta-feira (26) dois turistas argentinos foram baleados na Praia da Barra da Tijuca. Segundo testemunhas, eles estavam com familiares quando foram abordados por um assaltante, que roubou o cordão de um deles e atirou antes de fugir de moto.
As vítimas foram socorridas em estado grave por um helicóptero do Corpo de Bombeiros e levadas a hospitais da região.
No dia 22 de fevereiro, criminosos tentaram fazer um arrastão em um ônibus na Avenida Venceslau Brás, em Botafogo, Zona Sul do Rio. O grupo aproveitou o trânsito travado para entrar no veículo e roubar os passageiros.
Houve tumulto quando um dos passageiros reagiu com uma arma de choque, fazendo os assaltantes fugirem entre os carros. Alguns deles pularam pela janela do ônibus e foram agredidos por pessoas que presenciaram a cena. Quando a Polícia Militar chegou ao local, os envolvidos já haviam fugido.
“Se um carro particular para em uma via, todos freiam e tentam dar ré achando ser arrastão, que hoje é fato diário e intenso, chegamos a ter em um fim de semana mais de 800 veículos roubados, fora o roubo de cargas. Ou seja, estado do caos”, descreve Salgueiro.
O morador conta que antes era possível saber horários e locais mais perigosos, mas hoje isso não existe mais e batalhões da PM e delegacias não impõem mais respeito. “Tanto que temos bases policiais metralhadas. Um verdadeiro absurdo que no passado a resposta seria o inferno para cima deles”.
A tentativa de arrastão no ônibus há poucos dias não é um caso isolado. Esses casos avançaram 40% em 2024 em comparação com 2023. No início deste ano as tentativas e consumações seguem intensas.
Em 2023, o Rio de Janeiro registrou 6.275 assaltos a ônibus em todo o estado, um a cada uma hora e meia, em média. Na capital, a situação foi a mais preocupante: em 2023, foram 3.207 assaltos. No ano passado, esse número saltou para 4.473, um aumento de 39,4%, segundo dados oficiais da segurança pública do governo.
Governador do Rio de Janeiro apela ao governo federal por ajuda à segurança pública
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), tem se manifestado, com frequência relatando preocupação e pedindo auxílio ao governo federal. Castro tem feito apelos constantes diante da crescente e descontrolada condição de violência no estado. Apesar de ter um orçamento bilionário, cortes têm sido feitos neste ano.
O governo anunciou cortes significativos no orçamento de 2025, afetando em mais de R$ 5 bilhões as polícias Civil e Militar. A Polícia Militar, que inicialmente teria R$ 9,27 bilhões, terá R$ 5,41 bilhões, uma redução de cerca de 41%. Já a Polícia Civil sofreu um contingenciamento de R$ 1,13 bilhão. A medida também impactou outras secretarias e órgãos estaduais. O estado afirmou que o corte quer equilibrar as contas públicas e garantir a continuidade dos serviços essenciais.
Mas os cortes podem custar caro à segurança pública. Em dezembro de 2024, Cláudio Castro afirmou que as forças policiais do estado estavam sobrecarregadas e criticou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, alegando que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) limitou a atuação policial em comunidades, o que teria reduzido a presença ostensiva das forças de segurança e atraído criminosos de outras regiões para o Rio de Janeiro. “O criminoso perdeu o medo do estado”, criticou.
A decisão conhecida como ADPF das Favelas impõe restrições à polícia ao operar em áreas dominadas pelo crime organizado. É preciso, por exemplo, fazer uma série de avisos a órgãos públicos antes de se realizar uma operação policial e os criminosos acabam fugindo ou emboscando os policiais.
Para o advogado, morador da capital fluminense, Mauro Salgueiro, o “bandido não tem mais medo”, e sabe que a população está desarmada por decisão do próprio governo federal. “A polícia carioca engessada, principalmente pela ADPF 635, onde os traficantes e milicianos expandiram os domínios amplamente e a polícia só podia olhar. Na Zona Sul ainda há certa vida noturna, mas nos demais bairros é um deserto. O medo hoje é até nos ônibus que voltaram a ser assaltados como na década de 1980”, reforça.
O governador expressou dificuldades na condução da segurança pública, mencionando que “está impossível fazer segurança pública no Rio de Janeiro” e, em novo apelo ao governo federal, pediu para que a União auxilie no enfrentamento ao crime organizado.
Ministério da Justiça diz que ofereceu vagas em presídios federais, mas não fala em intervenção federal
Em resposta à Gazeta do Povo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) disse que mantém atuação no estado desde outubro de 2023, por meio da Força Nacional de Segurança Pública, conforme previsto na Portaria MJSP nº 766, de 12 de dezembro de 2023. “A operação segue vigente até 11 de março de 2025, podendo ser renovada. Desde o início da operação, cerca de 300 agentes da Força Nacional foram destacados para apoiar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) no estado em operações de combate ao roubo de cargas e roubos de veículos nas rodovias federais”, afirmou o MJSP.
A pasta informou também que, na operação em curso, são montados pontos de fiscalização e patrulhamento ostensivo na Rodovia Washington Luís (BR-040), na Rodovia Presidente Dutra (BR-116), BR-493 e BR-465 e que de outubro de 2023 a novembro de 2024, o investimento do MJSP na operação do Rio de Janeiro foi de R$ 20 milhões. “Nesse período, uma das principais iniciativas da parceria entre a Força Nacional e a PRF foi a Operação Palladium, por meio da qual foram alcançados resultados significativos para a redução da criminalidade na região. Entre eles, a redução de 29% na quantidade de roubos de cargas na região em comparação a 2023”, relata o Ministério.
O ministério afirmou que, de outubro de 2023 a maio de 2024, 710 veículos foram recuperados; 6.926 munições, 61 armas curtas e 34 fuzis foram apreendidos. Além disso, 1.253 pessoas foram detidas e R$ 593.315,00 de origens ilícitas foram confiscados. Entre as drogas apreendidas estavam 9,3 toneladas de maconha, 501,8 quilos de cocaína e 67.003 comprimidos de ecstasy.
“Além disso, no período de 2019 a 2024, o estado do Rio de Janeiro recebeu um total de R$ 242.168.403,69 em recursos financeiros do Fundo Nacional de Segurança Pública, na modalidade fundo a fundo.
Segundo o Ministério, em 5 de fevereiro, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, esteve no Ministério da Justiça e Segurança Pública para uma reunião com o ministro Ricardo Lewandowski. À ocasião, o ministro atendeu a um pedido do estado e ofereceu dez vagas em presídios federais para alocar lideranças criminosas do Rio de Janeiro.
“A missão é a cooperação total entre União e o RJ. Estamos empenhados em combater o crime de forma cooperativa e integrada. Esse é mais um exemplo da integração federativa que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública pretende colocar em prática”, disse o ministro após o encontro.
Na terça-feira (25), a Polícia Penal Federal (PPF) realizou a operação para inclusão de parte desses presos do sistema penitenciário do Rio de Janeiro no Sistema Penitenciário Federal (SPF). “A medida tem como objetivo isolar lideranças criminosas e desarticular as redes do crime organizado. O SPF tem, atualmente, a custódia de 59 detentos do sistema penitenciário fluminense.
A cooperação e a integração entre os entes federados estão alinhadas à PEC da Segurança Pública, proposta pelo ministro Ricardo Lewandowski”, descreveu o Ministério ao alertar que as ações coordenadas têm como objetivo fortalecer o combate ao crime organizado, reduzir índices de criminalidade e garantir maior sensação de segurança à população.
“Com investimentos significativos e esforços contínuos, o MJSP permanece empenhado em assegurar resultados efetivos e contribuir para a preservação da ordem pública no estado do Rio de Janeiro”, seguiu o MJSP.
O governador do Rio de Janeiro disse que as condições atuais favorecem a atuação criminosa, mencionando desafios como a entrada livre de armas e drogas, que somadas às restrições impostas pela ADPF agravam a dinâmica de “prende e solta” no sistema judiciário.
Em resposta a ataques recentes, como o ocorrido em meados de fevereiro em uma delegacia de Duque de Caxias, Castro classificou a ação como “terrorismo” e prometeu uma “resposta dura” por parte do governo.
Até quinta-feira (27), a Polícia Civil prendeu 38 pessoas envolvidas no ataque à delegacia de Campos Elísios (60ª DP), além de apreender quatro fuzis e matar cinco criminosos durante operações. O ataque dos criminosos foi realizado com o objetivo de resgatar um chefe do tráfico em uma comunidade próxima, a Vai Quem Quer, e um comparsa, ambos com papel de liderança no CV. O resgate falhou.
Segundo a Secretaria de Segurança do Rio, o homem apontado como líder do ataque segue foragido e a polícia demoliu sua mansão de alto padrão.
Rio precisa de uma intervenção federal, defendem especialistas, dizem analistas
Para especialistas, o cenário de violência que vive o Rio de Janeiro pode se assemelhar o que justificou a intervenção federal no ano de 2018, apesar de o governo federal não ter sinalizado para isso até o momento. A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi decretada em 16 de fevereiro de 2018 pelo então presidente Michel Temer (MDB).
A medida foi motivada pelo aumento dos índices de criminalidade, ataques de facções criminosas e a incapacidade do governo estadual de conter a crise na segurança. A decisão veio após um Carnaval marcado por assaltos e confrontos, que gerou forte repercussão, nacional e internacional. “O Carnaval deste ano que está em curso vai ser um novo teste de fogo, mas o que se vive no Rio de Janeiro, na segurança pública, está bem perto do que se via em 2018”, reforça o advogado especialista em Segurança Pública, Márcio Nunes.
Com a intervenção naquela ocasião, o interventor federal general Walter Souza Braga Netto assumiu o comando das forças de segurança do estado. A intervenção durou até 31 de dezembro de 2018, sem renovação. “O que temos visto agora é algo muito similar ao registrado naquele ano, preocupante e sem movimentos aparentes do governo federal para auxiliar neste ponto e atender aos apelos do governador”, afirma o sociólogo, especialista em segurança Pública, Marcelo Almeida.
Contudo, as estatísticas criminais oficiais mostram que a criminalidade atual ainda não atingiu o patamar que deflagrou a intervenção em 2018. Os homicídios naquele ano, por exemplo, somaram 4.950 casos. No ano passado foram 2.930, uma queda de 11% em relação ao ano anterior.
Os roubos de rua no estado somaram 130.620 casos em todas as regiões do estado. No ano passado foram 58.574 casos, segundo dados do ISP.
Confrontos e tiroteios constantes: organização criminosas matam inocentes
Na tarde de 12 de fevereiro, uma operação policial com intensa troca de tiros fechou a Avenida Brasil, uma das principais vias do Rio de Janeiro. A ação, filmada e que viralizou nas redes sociais, ocorreu nas comunidades de Parada de Lucas e Vigário Geral, no Complexo de Israel, dominado pelo TCP, com o objetivo de investigar e tentar capturar o líder criminoso da região conhecido pela polícia como um “traficante gospel” por se autodenominar Soldado de Jesus, mas que é cruel com adversários e tortura rivais antes de matá-los, segundo a PM.
Durante o confronto, um ônibus foi atingido por disparos e passageiros se jogaram no chão para se proteger. O trânsito foi interrompido, afetando ainda o BRT, trens e diversas linhas de ônibus. Serviços de saúde e educação também foram impactados, com unidades fechadas por segurança. “Isso é cena de guerra. O Rio de Janeiro vive uma área intensa de conflito”, completa Almeida.
A Polícia Civil solicitou o bloqueio da via para evitar riscos à população, enquanto moradores compartilharam momentos de pânico nas redes sociais. Empresas de transporte e entidades locais pediram providências das autoridades para garantir a segurança. Pouco ou quase nada mudou.
Essa situação mais crítica, alerta Almeida, tem escalado desde o ano passado. Ele lembrou do outro tiroteio registrado em outubro de 2024. Em plena manhã, um intenso confronto entre policiais e traficantes no Complexo de Israel resultou em seis pessoas baleadas, três morreram, todos civis e inocentes. O tiroteio causou caos no trânsito e levou ao fechamento, mais uma vez, da Avenida Brasil.
Entre as vítimas fatais estava um homem de 60 anos, motorista de aplicativo que foi atingido na cabeça e chegou sem vida ao hospital. Outro homem de 48 anos foi baleado enquanto dormia em um ônibus, morreu ali mesmo. O terceiro morto tinha 49 anos e foi atingido dentro de seu veículo. Outras três pessoas foram feridas, incluindo um homem que levou um tiro no antebraço, uma mulher com lesão na perna e um jovem de 27 anos.
O confronto começou após a entrada de blindados da PM na comunidade e a forte reação dos criminosos levou ao encerramento da operação antes do previsto. O tiroteio impactou transportes públicos, escolas e unidades de saúde da região, evidenciando mais uma vez a insegurança na cidade. O governador Cláudio Castro disse que as forças de segurança chegaram muito próximo de capturar o líder do TCP e, por isso, a ordem da facção foi atirar a esmo para despistar a polícia e tirá-la dali. “Foi um ato de terrorismo, atiraram a ermo contra inocentes”, descreveu Castro.
O avanço preocupante dos roubos no Rio de Janeiro
Outros dados da segurança pública no ano de 2024 no Rio de Janeiro, divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) indicam uma explosão em crimes como roubos de veículos, de cargas, roubos e a pedestre, com destaque aos celulares.
Somente os roubos de carga somaram no ano passado 3.438 registros, uma média de quase 100 por dia. A estatística foi puxada para cima no mês de dezembro quando foram registrados somente naqueles 31 dias, 487 destas ocorrências, média de 16 por dia.
Para o advogado carioca Mauro Salgueiro, a população do Rio de Janeiro está acuada, com uma sensação de insegurança enorme diante dos elevados números de assaltos. “Arrastões em vias expressas e tudo isso em qualquer lugar e horário. O roubo de celular é absurdamente comum em qualquer hora do dia, principalmente na Zona Sul e Centro do Rio com destino [destes produtos do roubo] já sabido e pouco combatido”, alerta.
O que Salgueiro fala está expresso nos números. O estado fechou o ano passado com 30.876 roubos a pedestres com destaque aos celulares. Somente de janeiro a novembro de 2024, 13.018 celulares haviam sido roubados. Em 2023 foram 9.269 aparelhos levados nestas mesmas condições, considerando o ano todo.
Cláudio Castro recorre aos Estados Unidos para controlar o Comando Vermelho
Uma das medidas mais recentes que veio à tona sobre o governo fluminense, em uma medida polêmica e controversa, Castro pediu socorro aos Estados Unidos para combater o Comando Vermelho (CV), considerada a segunda maior facção criminosa em operação em praticamente todo país, segundo dados da Secretaria Nacional de Administração Penitenciária do MJSP.
O jornal Extra revelou em fevereiro documentos em que a Secretaria Estadual de Segurança Pública do RJ está em tratativas com o governo americano para que o CV seja classificado como uma organização criminosa internacional. Caso o reconhecimento seja concedido, a cooperação entre os dois países será ampliada, permitindo ações conjuntas para combater a maior facção do tráfico do Rio de Janeiro também em território americano.
Para justificar o pedido, o governo do RJ afirma que autoridades brasileiras identificaram indícios de que a facção já estaria recrutando membros dentro dos Estados Unidos e que informações de inteligência apontam que criminosos da facção teriam estabelecido alianças com cartéis sul-americanos para levar drogas ao país norte-americano.
Acho a decisão um tanto precipitada e ainda com poucos esclarecimentos. O CV não me parece ter avançado aos Estados Unidos como fez o PCC, por exemplo, acredito que faltem explicações para isso e medidas de controle do próprio Estado brasileiro para conter o avanço”, alerta o cientista político Gustavo Alves.
Se o CV for oficialmente classificado como Organização Criminosa Transnacional (TCO, na sigla em inglês), outras agências federais americanas, como a Drug Enforcement Administration (DEA) e a Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF), poderão intensificar as ações contra a facção.
“A transformação de uma organização criminosa local, nacional, em uma organização internacional pode motivar, trazer mais investimentos externos à segurança pública, trazer mais dinheiro ao estado, treinamento de forças de segurança e a criação de políticas mais eficazes de prevenção ao crime, mas pode gerar conflitos políticos e judiciais”, alerta Alves.
O especialista comenta que o envolvimento de uma organização criminosa internacional pode levar a conflitos entre o governo estadual e federal, especialmente no que se refere à jurisdição e controle das investigações. “Pode também aumentar a pressão para extraditar membros da organização ou facilitar investigações internacionais em solo brasileiro”, reforça.
Para o cientista político, o pedido pode trazer outros impactos negativos ao Rio de Janeiro e ao Brasil. Ele cita a imagem internacional comprometida e a percepção do estado que pode ser gravemente afetada, com a imagem do governo e da população manchadas pela associação com atividades ilícitas que cruzam fronteiras. “Numa cidade como o Rio de Janeiro, isso pode afetar o turismo que movimenta bilhões por ano, investimentos estrangeiros em outras áreas e relações diplomáticas. Isso precisaria ser resolvido de forma doméstica com a presença efetiva da União e do estado”, alerta.
Governo do Rio de Janeiro quer mais controle de portos, aeroportos e fronteiras para evitar entrada de armas
O estado do Rio de Janeiro registrou no ano passado um dos maiores números de apreensões de fuzis da história: 732, cerca de dois por dia. O dado é 20% maior que o registrado em 2023, quando haviam sido cerca de 600 fuzis tirados de circulação.
No início de fevereiro, Cláudio Castro com as informações das apreensões em mãos, voltou a cobrar, mais uma vez, o governo federal. Segundo ele, são essenciais e urgentes medidas mais rígidas para coibir a entrada de armas, principalmente as traficadas ao Brasil por meio das fronteiras. “Nenhuma dessas armas foi fabricada no Rio de Janeiro”, alertou o governador.
Dados de investigação das forças de segurança fluminense e mesmo nacionais indicam que esses armamentos têm origem em países como Rússia, Estados Unidos, Bélgica e até mesmo na vizinha Argentina e que, após atravessarem o oceano, passam por países como Colômbia, Bolívia e Paraguai, onde deixam de ser rastreados antes de ingressarem ilegalmente no Brasil, chegando até as mãos de criminosos no Rio de Janeiro e em outros cantos do Brasil.
O especialista em segurança pública, investigador aposentado das forças federais da segurança, Sergio Leonardo Gomes alerta às vulnerabilidades das fronteiras e as grandes apreensões de drogas e armas registradas ano após anos. Seu foco de análise está na fronteira com o Paraguai, por onde entram drogas e armas pelas mãos das maiores organizações brasileiras que espalham arsenal para alimentar facções de Norte a Sul, dando força e sustentação, sobretudo aos criminosos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O especialista avalia que, para se somar a isso, há medidas adotadas pelo governo e pelo próprio judiciário, como decisões de impacto tomadas pelo STF, que ao invés de fortalecer o combate ao crime organizado, fragilizam o sistema. Ele cita exemplos como a recém-homologada política de desencarceramento proposta pelo Pena Justa, o decreto que limita o uso de armas pelas forças de segurança e a PEC da Segurança Pública que começou a ser debatida no ano passado, a qual estados sobretudo do Sul e Sudeste, incluindo o governador Cláudio Castro, se mostram contrários sob o argumento de fragilização da segurança pública. Ele também lembra das tramitações como a que ficou conhecida como a ADPF das Favelas.
“Dá-se a sensação que o governo e o Judiciário caminham por um lado e o crime organizado por outro, por onde avança sem grandes empecilhos ou dificuldades”, avalia.
Para o advogado Mauro Salgueiro, que vive o cotidiano da violência no Rio de Janeiro, para enfrentar a situação de caos seria, em sua visão, primeiro pôr fim à ADPF das favelas. “Depois é urgente que se mude a lei. Acabar com audiência de custódia, saidinhas de presos, relaxamento de prisão e por aí vai. Nosso código penal é de 1940. Acabou. Hoje a gente vive um narcoterrorismo sim.Tem que haver o reconhecimento dos governos federal, estadual e municipal sobre isso”, alerta o advogado.
Salgueiro defende a necessidade de uma intervenção séria no estado com as forças armadas, blitz constantes contra motos e transportes públicos. “A população vai sentir o impacto, mas é necessário. Armar a Guarda Municipal seria também um passo, com muita instrução e, claro seleção, dos homens a dedo”. O advogado carioca que possui com vasta experiência e atuação em segurança pública alerta que a entrada das forças policiais nas comunidades, que hoje são cercadas por barricadas, é essencial.
“E por fim combate intenso à corrupção em todos os órgãos. Uma Corregedoria independente ou até federal deveria ser criada e atuar junto com o Ministério Público. Um processo imenso beirando a utopia, mas a viagem só começa com o primeiro passo e ele necessita ser dado e teria que ter começado ontem”, completa Mauro Salgueiro.