O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou nesta quarta-feira (26) o plano de trabalho apresentado pelo Congresso Nacional e pelo governo federal para aumentar a transparência na execução das emendas parlamentares. A decisão foi publicada um dia antes do encontro que estava marcado para esta quinta-feira (27) entre o magistrado e os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para tratar sobre o tema.
Ao homologar o acordo, Dino afirmou que não há impedimentos para a liberação dos recursos, desde que as regras de transparência e rastreamento dos valores sejam cumpridas e que recebam o aval também do plenário do STF. Além disso, o ministro também determinou a suspensão da audiência de conciliação com os presidentes da Câmara e do Senado.
A realização de nova audiência será avaliada após a análise da homologação pelo plenário do STF. Além do Legislativo e do Judiciário, o impasse vinha impactando também o Executivo, já que, esvaziado, o Congresso travou a agenda de interesse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A disputa sobre esses recursos se arrasta desde agosto do ano passado, quando Dino chegou a suspender o pagamento das emendas por falta de transparência. Desde que assumiram o comando das duas Casas do Legislativo, em 1º de fevereiro, Motta e Alcolumbre vinham articulando o plano para liberação.
Ambos os parlamentares dedicaram parte de suas agendas das últimas semanas para se reunirem com os líderes partidários e traçarem uma estratégia frente à ofensiva do Judiciário. Integrantes do Congresso tentavam evitar que o STF julgasse a inconstitucionalidade das emendas parlamentares dentro do Orçamento.
As emendas orçamentárias são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais.
“As emendas parlamentares são importantes para levar recursos de saúde, educação e infraestrutura aos municípios. Sem esses recursos, muitas ações essenciais ficam comprometidas”, defendeu o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).
“Não há nenhum empecilho para que os recursos das emendas sejam pagos, desde que as medidas de transparência sejam implementadas”, afirmou Dino em sua decisão.
Congresso segura pautas do governo Lula para fechar acordo com STF
No plano traçado por Motta e Alcolumbre, por exemplo, os parlamentares se comprometeram a identificar de forma nominal os deputados e senadores solicitantes e apoiadores de emendas, permitindo maior controle sobre a autoria das propostas. As informações deverão ser consolidadas no Portal da Transparência, com acesso fácil para cidadãos e órgãos de controle.
Além disso, o plano prevê a divulgação de atas e planilhas das deliberações sobre as emendas de comissão e bancada. A estratégia de Motta e Alcolumbre marca uma mudança em relação aos seus antecessores, já que Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente da Câmara e do Senado, eram desafetos e não articularam juntos um acordo sobre o tema.
Nessa estratégia, a votação do Orçamento de 2025 vinha sendo usada pelos parlamentares para conseguir destravar as emendas parlamentares. A peça orçamentária deste ano ainda não foi votada e a definição sobre as emendas é o principal empecilho para que ela seja destravada.
A aprovação da matéria é necessária para que o governo Lula possa se articular para conseguir o apoio dos parlamentares em outros temas, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Nos últimos dias, por exemplo, o próprio Lula defendeu uma solução para esse impasse. O presidente foi responsável por indicar Dino ao STF, o que ampliou a desconfiança dos parlamentares em relação à atuação do ministro nas investigações sobre as emendas.
“O governo não tem nada a ver com as emendas parlamentares. Foi uma conquista deles [deputados e senadores] em um governo irresponsável que não governava o país. Então, elas existem e nós estamos agora com decisões da Suprema Corte, do ministro Flávio Dino, e vamos negociar para ver se coloca um acordo definitivo entre a Câmara e o Poder Executivo”, disse Lula em entrevista a jornalistas no Planalto.
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) pretende se reunir no próximo dia 14 de março para discutir um acordo para votar a peça orçamentária. Contudo, parlamentares admitem que a votação só vai estar garantida após a solução entre Legislativo, Judiciário e Executivo sobre o tema.
“A questão das emendas trava o funcionamento do Congresso. A gente não pode avançar. Aliás, o país não pode avançar. Tem que resolver essa questão das emendas, que foi uma pedra que o Judiciário botou. As emendas impositivas, por exemplo, são emendas constitucionais. E assim o Congresso Nacional deve se portar nesse entendimento com o poder Judiciário”, defendeu o senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado.
Investigações da PF avançam sobre emendas destinadas pelos parlamentares
A movimentação acontece em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal (PF) sobre as suspeitas de irregularidade nas destinações das emendas parlamentares nos últimos anos. Nesta terça-feira (25), por exemplo, a Primeira Turma do STF começou a analisar o inquérito que acusa dois deputados do PL e um suplente de corrupção na distribuição de emendas.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os parlamentares pediram, “de modo consciente e voluntário”, propina de R$ 1,6 milhão ao então prefeito de São José do Ribamar (MA).
O valor seria dado em contrapartida à destinação de recursos público ao município. A PGR concluiu que os deputados negociaram emendas com a prefeitura de São José de Ribamar, na grande São Luís, em troca de um “percentual” pelos recursos repassados. Segundo a investigação, a propina foi repassada em troca de R$ 6,67 milhões em emendas destinadas ao município.
“Os elementos informativos demonstram, portanto, que os denunciados formaram organização criminosa […] voltada à indevida comercialização de emendas parlamentares”, diz a denúncia.
Os parlamentares negam irregularidades no direcionamento dos recursos. As defesas pediram ao STF a rejeição da denúncia por falta de provas. O caso está sob sigilo.
O tema ganhou força depois que o gabinete do deputado Afonso Motta (PDT-RS) foi alvo de uma operação por parte dos agentes da PF no último dia 13. A investigação tinha como alvo o chefe de gabinete do deputado gaúcho, Lino Rogério Furtado. O assessor foi exonerado na terça-feira (18), como uma das determinações do ministro Flávio Dino. Motta negou qualquer envolvimento no suposto desvio de emendas investigado pela PF.
Outro caso que chegou ao STF na semana passada envolve o nome do deputado Junior Mano (PSB-CE). Os detalhes sobre a citação e a eventual suspeita de que ele possa ter participado do esquema ilegal estão sob sigilo e seguem em apuração.
Em nota, Mano lamentou o vazamento de informações que estão sob sigilo e informou ainda que já pediu, “mas ainda não teve acesso aos autos para se inteirar do conteúdo das acusações”. “De qualquer forma, é importante deixar claro que emendas parlamentares são recursos públicos devidamente regulamentados, cuja execução é de responsabilidade dos entes federativos e gestores locais”, disse o parlamentar.
O STF não confirma quantos inquéritos envolvendo suspeitas de desvios de emendas estão em análise na Corte. A PF já realizou ao menos sete operações cujos desdobramentos tornados públicos até o momento já atingiram políticos do PL, União Brasil, PDT e PSB.
“Não cabe ao STF decidir se a emenda Pix é algo bom ou ruim, mas cabe ao Supremo impor critérios, balizas constitucionais para adequar esse instrumento ao texto constitucional. Estamos avançando. Antes não havia transparência e nem regras para a liberação das emendas Pix”, disse Dino nesta segunda-feira (24) durante um evento em São Paulo.
As chamadas “emendas Pix” são recursos com modalidade de “transferência especial” feita pelos parlamentares de forma direta para estados, Distrito Federal ou municípios. Ou seja, não há necessidade de celebração de convênio ou instrumento do tipo para os repasses. O uso do mecanismo nos últimos anos está entre os alvos das investigações da PF.