Ronaldo Fenômeno tem planos para a CBF. O ex-atacante, bicampeão mundial pela seleção brasileira, quer assumir o cargo mais alto da entidade que comanda o futebol nacional na próxima eleição. Em entrevista exclusiva à ESPN, ele abriu suas ideias: de calendário até fair play financeiro e polêmicas de gramados.
O ex-jogador não se afastou do esporte desde que pendurou as chuteiras, em 2011. Agenciou atletas e comprou clubes, como o Real Valladolid, da Espanha, e o Cruzeiro, onde se profissionalizou. Ele garantiu que resolverá qualquer possível conflito de interesses antes de, quem sabe, sair vitorioso na eleição.
“Tenho esse novo projeto, que, na minha cabeça, é muito complicado, muito difícil, mas não é impossível. Vou usar todo o meu poder, toda a minha força, para uma vez mais ajudar o futebol brasileiro a melhorar”, disse.
A eleição para a CBF ainda não tem data marcada, mas pode acontecer a qualquer momento a partir de 23 de março. O ex-atacante, na última segunda-feira (24), enviou uma carta para a CBF, Fifa, Conmebol e presidentes de clubes das Séries A e B do Brasileiro pedindo que a data seja definida com pelo menos um mês de antecedência para “assegurar a organização e participação dos interessados”.
Enquanto segue como pré-candidato, o Fenômeno faz articulações nos bastidores, busca apoios e matura seus desejos para a seleção e o futebol como um todo. Veja abaixo a entrevista completa de R9 à ESPN:
Ronaldo e seus planos para 2025
“A grande vantagem é que todo mundo me conhece desde muito jovem, e todos veem a credibilidade que eu tenho. Qualquer coisa que eu faça, as pessoas falam: ‘Legal, essa pessoa passa uma coisa bacana, compromisso’. Tenho que aproveitar essa vantagem. Tenho esse novo projeto, que, na minha cabeça, é muito complicado, muito difícil, mas não é impossível. Vou usar todo o meu poder, toda a minha força, para uma vez mais ajudar o futebol brasileiro a melhorar.
O momento que a gente vive é péssimo, talvez nunca estivemos tão no fundo do poço quanto estamos hoje no futebol brasileiro e geral. Não somente nos resultados esportivos, mas na gestão da CBF, são problemas diariamente. Arbitragem, audiência dos jogos, interesse da população com o esporte que é paixão nacional… É inaceitável. Vou me dedicar muito nesse período pré-eleitoral para poder conseguir realizar esse objetivo de chegar à presidência da CBF e fazer com que o futebol brasileiro retome seu rumo.
Para mim, é inaceitável que o futebol brasileiro esteja nessa situação, sem representatividade na Conmebol, na Fifa. A CBF tem um potencial muito grande para ser o que a gente já foi algum dia, sempre estivemos no topo. Mas hoje estamos muito longe”.
Dificuldades da candidatura na CBF
“Quando falo que é vivendo e aprendendo na indústria do futebol, para mim, é muito louco não ter visto tanta coisa errada lá atrás. O sistema hoje da CBF é feito para quem está lá sentado na cadeira se perpetuar, a situação sempre conseguir a reeleição. Dificultando qualquer candidatura, qualquer chapa de ser criada. Nunca tivemos uma eleição com dois candidatos na CBF, sempre houve uma articulação para impedir outra chapa.
Eu comecei a articular em novembro, final de outubro (de 2024), visualizando essa possibilidade de chegar à presidência da CBF. Comecei a planejar, conversar com pessoas, para entender realmente o sistema que existe hoje. Digo que é difícil porque o sistema é feito para se perpetuarem. Preciso de quatro apoios, de federações e clubes, para inscrever minha chapa, mas não tem um processo eleitoral claro, transparente. Isso dificulta cada vez mais a oposição. O processo fica muito direcionado para quem está na cadeira.
Tenho conversado com presidentes de federações, com presidentes de clubes, me articulado. Mas hoje o grande problema é que as federações são dependentes dos benefícios financeiros que a CBF dá, e uma vez que esses benefícios param de chegar, a federação corre risco de fechar, porque não tem como sobreviver, criar novos recursos. É uma espécie inclusive de terrorismo… Percebi que dificilmente vai ter alguém declarando voto para mim nesse período pré-eleitoral, porque eles sabem que, quem está na cadeira, pode usar o benefício para forçá-lo a votar no presidente. Poucas federações vão conseguir sobreviver sem o benefício da CBF, é uma articulação complicada.
Preciso convencer que o meu projeto é um projeto revolucionário, eles podem ter certeza absoluta que vou fazer com que os estaduais melhorem, com que as federações arrecadem mais. Tudo o que a gente vê que não está dando certo, arbitragem, calendário, eu tenho um plano para melhorar tudo isso. Minha vontade é de ficar quatro anos, resolver os principais problemas do futebol brasileiro, desde a sua base… Temos muita coisa, uma agenda difícil de enfrentar, mas estamos animados para esse desafio. Vamos trabalhar para convencer federações e clubes que temos um projeto vencedor. E não temos alternativa. Se a gente for analisar bem os últimos anos do mandato do Ednaldo, e projetar isso mais quatro anos, eu não sei aonde o futebol brasileiro vai parar”.
Articulações nos bastidores
“Já falei com a grande maioria (das federações), tenho alguns (presidentes) ainda para encontrar. Posso deixar claro que nós teremos uma chapa, posso garantir. Deixo claro também para quem tem medo de mudança, que vou revolucionar o futebol brasileiro, e para o bem. As federações vão continuar com seus benefícios, mas vão ser cobradas. Se conseguirem sua meta, benefício vai dobrar, e assim vamos melhorar o futebol brasileiro. Tenho muitas ideias, não dá para falar tudo, mas posso garantir que vão gostar.
O Brasil hoje está longe de competir com as grandes potências porque ficamos parados 20 anos. Tenho estudado muito o que as confederações da França, da Inglaterra, da Espanha, da Bélgica, o que elas fizeram para melhorar o futebol nacional nos últimos 15 anos. Não dá para ser um processo de copiar e colar, temos que pegar o que está certo, implementar, adaptando ao futebol brasileiro. Mas tem muita coisa a ser feita”.
Articulação com os clubes
“Tenho falado também, ouvido muitas impressões sobre os problemas. Você vê que a CBF não conseguiu unir os clubes. Muitos clubes estão batendo recorde de receita, mas vemos uma Série A dividida nos direitos, uma Série B pedindo ajuda, sem planejamento claro. Tenho sentido muito apoio, eles sentem essa necessidade de mudança. Estou pronto para essa agenda de mudança, porque chegamos, na minha opinião, no fundo do poço”.
Mudanças urgentes no futebol brasileiros
“Desde já eu posso prometer que nós vamos melhorar a arrecadação de cada estadual. Vamos melhorar a competição, melhor a audiência de cada estadual. E vamos resgatar pouco a pouco esse amor emocional do futebol brasileiro, que ainda chama muita atenção no Brasil, mas não é aquela coisa do clássico que para, o evento que para o estado. Não é assim há algum tempo. Além do esporte, o futebol brasileiro pode ajudar muito na área social, com suas histórias, ele tem esse poder. E eu tenho isso em mente também”.
O calendário do futebol brasileiro
“Vamos ouvir os clubes e as federações. O plano na minha cabeça está muito claro, mas não posso expor exatamente agora. Mas tenho certeza que é um plano que vai salvar o futebol brasileiro. Temos que investir muito em arbitragem, falamos muito da temporada dos jogadores, mas não damos as condições hoje para os árbitros se preparem e melhorarem. É muito trabalho pela frente. A CBF tomou o rumo de demitir mais um cara que estava fazendo o seu melhor, com a sua autonomia, e ele (Ednaldo) definitivamente não gosta de dividir protagonismo com a diretoria de trabalho, bastante centralizador”.
Possíveis conflitos de interesse
“Primeiro, é importante dizer que, quando esse estatuto foi feito, ninguém imaginou que pudesse alguém concorrer à presidência da CBF com credibilidade e imagem para vender qualquer coisa. Eu venho com essa credibilidade por anos de trabalho, conquistei isso. Mas sou ciente desse possível conflito que posso ter se ganhar a eleição. E, uma vez que eu ganhar a eleição, não terei nenhum desse conflito de interesses. A minha imagem é transparente, é de credibilidade, e isso não tem preço. Vou resolver qualquer conflito de interesse antes”.
A seleção brasileira hoje
“O que acontece na CBF influencia diretamente nos jogadores. É a gestão do medo, a CBF demitiu mais de 200 funcionários de dois anos pra cá. Isso interfere dentro de campo, os jogadores não têm um líder em que confiam e que dariam a vida por esse líder. Os jogadores fazem o que podem. A seleção, apesar de ter grandes jogadores, quando se reúne, ela não consegue criar um time sólido, um time unido, que represente a seleção brasileira, nossa história. Mas acho que isso parte da gestão da CBF, é o topo da pirâmide, onde os jogadores olham, isso reflete dentro de campo”.
Dorival Júnior
“O treinador é outra vítima desse sistema. Cada vez que você reúne a seleção, ele tem menos tempo. É cada vez mais difícil para o treinador, treinar dois, três dias, fazer dois jogos, respeitar os jogadores do que eles vêm dos clubes, fazer preparação para o jogo. É um calendário bem cruel para os jogadores e treinadores. Acho que ainda é um reflexo do topo da pirâmide, que influencia para baixo todos que estão na seleção brasileira”.
Guardiola na seleção brasileira?
“Tenho que estar preparado para tudo, e estou preparado para essa nova missão. O futebol brasileiro precisa de um impulso nesse sentido também. Por que começou a se falar de treinador estrangeiro? Porque não estamos formando treinadores. Hoje temos uma coisa que funciona bem na CBF, que é a CBF Academy, um curso que capacita os treinadores para se formarem. Isso funciona bem na gestão do Ednaldo, mas a gente tem que impulsionar ainda mais isso, multiplicar por 20. Quero envolver os ex-campeões com a seleção brasileira, com clubes, em cada estado do Brasil, oferecer para quem ainda não tem o curso, de gestão, de técnico, oferecer a esses ex-atletas a possibilidade de continuar na indústria do futebol”.
Houve conversa com Guardiola?
“Eu adoraria poder falar tudo o que eu estou fazendo. Mas, neste momento, desviar a atenção do principal problema do futebol brasileiro não vai ajudar. A escolha do treinador, se for eleito, é importante, estou conversando sobre isso. Mas não podemos desviar o foco. A seleção brasileira precisa ter os melhores, os melhores jogadores, treinadores. Esse cara que vier precisa ter um papel importante no desenvolvimento do futebol brasileiro, quero que ele participe ativamente desse desenvolvimento”.
Seleção brasileira e a Copa do Mundo de 2026
“Complicado. Apesar de alguns jogadores estarem vivendo momento especial na Europa, quando vestem a camisa da seleção, temos visto que eles têm problemas, não conseguem desempenhar o mesmo futebol dos seus clubes. Temos que entender o porquê. Na minha cabeça, parte da liderança, mas com certeza deve ter outros problemas”.
Volta de Neymar ao Brasil
“Muito feliz que ele tenha voltado e que tenha feito essa escolha. O jogador, se não está feliz, rende mal. A gente tem que ter paciência com o retorno de uma lesão complicada, vai ter recaída, problema muscular, um ano parado é um tempo longo. Temos que ter paciência com o Neymar, e temos que ter o compromisso dele de que realmente quer ser o protagonista da Copa de 2026. Se ele tem esse compromisso, e, se ele ainda não tem isso claro, se ganhar a eleição, eu vou convencer ele disso”.
Cristiano Ronaldo é ‘melhor da história’?
“Não gosto muito de entrar nesse mérito, acho que as pessoas têm uma autoestima muito grande. Prefiro que as pessoas falem do que eu fiz e do que eu fui do que falar de mim mesmo. O Cristiano Ronaldo tem uma história fantástica, conquistou tudo, fez gol de tudo quanto é jeito. Com certeza ele está entre os melhores da história. Agora, o melhor, eu não concordo. Mas respeito a opinião dele… Diria que está no top 10 fácil”.
Top 10 da história do futebol para Ronaldo
“Pelé número 1 sem dúvida, Messi e Maradona empatados juntos, Zico, Romário, Cristiano Ronaldo, Van Basten, Zidane, Figo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, uma série de jogadores, tem muito craque nessa lista, e com certeza vou estar esquecendo alguns. Cada vez que me perguntam desse ranking, faço uma lista diferente. Só esses três primeiro é definitivo”.
Neymar no top 10?
“Neymar é um cracaço. Talvez falte a Copa do Mundo, mas conquistou Olimpíadas, quase tudo… Mas está no top 10 também, com certeza. Não sei quantos eu falei, mas ele está, em nono ou décimo por aí… Toda essa galera aí está muito perto. Todos jogadores que citei você que tem características diferentes, por isso que o futebol é maravilhoso. É minha opinião, papo de boteco, mas que tem viralizado muito, tem vários ex-jogadores que querem se colocar nessa lista. Eu não me sinto confortável em me colocar, nem em fazer nessa lista, mas minha admiração por todos é gigante, assim como a contribuição deles para o futebol mundial”.
Relação com a Fifa e Conmebol
“Posso dizer que (o presidente da Fifa Gianni) Infantino e Alejandro (Dominguez, da Conmebol) veem com bons olhos minha candidatura, mas nenhum dos dois pode falar publicamente, afinal a CBF é uma afiliada. Para eles, é importante ter uma CBF forte. Eu enxergo esse potencial muito grande do que podemos fazer aqui, colocar o Brasil no rumo certo novamente no futebol. Estou muito animado, com muito energia, ideias, e todo apoio internacional e nacional é importante. Vamos para cima pelos votos necessários para conseguir chegar lá e mudar o rumo dessa história na qual estamos. Sou a alternativa, a única, para reformular o futebol brasileiro”.
Futebol feminino
“O futebol feminino é uma outra vítima dessa gestão atual. E nós vamos apoiar, nós vamos investir muito no futebol feminino, falar com os players de transmissão para intensificar a exposição, para que aumente a audiência, o investimento, cobertura, infraestrutura… O futebol feminino brasileiro hoje tem uma estrutura precária, poucos clubes tem estrutura dedicada. Eu sei porque quando eu entrei no Cruzeiro não tinha praticamente nada. Fizemos uma estrutura quase que do zero. Tem muita coisa a ser feita, Copa do Mundo no Brasil, uma oportunidade única de passar nossa mensagem para o mundo, há muito trabalho para se fazer”.
Passagem pelo Cruzeiro
“Foi maravilhosa a minha experiência com o Cruzeiro. Logicamente, tínhamos que matar um leão por dia, mas acho que o futebol é isso. E o torcedor precisa entender essa dificuldade do clube, claro que ele é muito mais passional, quer saber se ganhou ou se perdeu. Mas a gestão que nós tivemos no Cruzeiro foi espetacular. Pegamos o time na segunda divisão com a divida em R$ 1,2 bilhão, conseguimos ganhar a segunda divisão, diminuímos a dívida em R$ 500 milhões e entregamos o projeto para uma pessoa maravilhosa que é o Pedrinho, apaixonado e podendo investir mais do que eu”.
“Financeiramente, foi um negócio maravilhoso, mas com risco 200 vezes maior do que o lucro que eu tive. As pessoas não falam do risco que eu corri ali, essa comparação é importante. O lucro foi alto, mas o risco também”.
Valladolid, fair play financeiro e liga no Brasil
“No Valladolid, encontramos um clube praticamente regional, fizemos toda reformulação de processos, estrutura, investimento no estádio, experiência do torcedor… E a gente patinou um pouco nos resultados esportivos, também porque, na minha opinião, hoje o fair play financeiro no futebol espanhol é muito duro, muito rígido. A diferença entre os clubes que sobem da segunda divisão para a primeira, o orçamento do Valladolid, por exemplo, nesta temporada, foi de 55 milhões de euros aproximadamente, e são três ou cinco clubes com orçamento parecido com isso, contra 15 que têm orçamento de mais de 100 milhões de euros. Isso torna a competição desleal, você vai perceber essa diferença dentro de campo.
Mas acho que é importante isso, porque temos que implementar também um modelo de fair play financeiro no futebol brasileiro. Definitivamente não um modelo rígido como no futebol espanhol. Também não tão aberto como outras ligas. Talvez o fair play financeiro da liga inglesa seja mais aceitável para todos. Temos que implementar isso no Brasil, criar nossa liga, os dois blocos da Série A tem que se unir e fazer uma liga só. É muita coisa no futebol brasileiro que precisa melhor. Se essa gestão atual continuar na CBF, dificilmente isso vai ser possível, porque não interessa para ele (Ednaldo)
Tem que padronizar a iluminação, o gramado no futebol brasileiro, qual a dificuldade? É um país muito grande, mas nós temos um clima tropical que facilita isso. Você vê clubes com gramados consistentes, bons, outros com sintético. Na criação de uma liga, você consegue padronizar inclusive o gramado, vestiário, estádio, publicidade, transmissão. Isso melhora seu produto. Hoje, o futebol brasileiro não vende US$ 5 milhões no direito internacional. É uma vergonha. Essa liga precisa sair, vou incentivar. é preciso”.
Voltaria para um clube depois da CBF?
“Não. É muito intenso. É maravilhoso, qualquer coisa na indústria do futebol eu vou me apaixonar, mas é muito intenso. Eu não quero isso mais, é muito complicado. Você educar o torcedor com a realidade do time, isso para mim é o mais complicado. Nós temos hoje também uma imprensa que vai completamente desconectada do que é o futebol, a indústria… Você vê muitos na imprensa despreparados, torcedores com microfone na mão… Tenho uma opinião um pouco revolucionária também para a imprensa esportiva. Não quero tirar a opinião de ninguém, não quero limitar nada, mas quero mostrar o que é feito, colocar todo mundo na mesma página, para que seja uma cobrança com respeito, não excessiva, coisas que não temos espaço mais, em mundo que está muito violento”.
Mensagem para Ednaldo Rodrigues
“Ele não é meu inimigo. Mas ele não é capaz de assumir esse desafio. E o quanto antes ele perceber isso, vai ser melhor para o futebol brasileiro… Nós estamos preparando uma carta que vamos enviar à Fifa, à CBF, à Conmebol, aos clubes, federações, em que vamos pedir uma transparência no processo de eleitoral. Não é possível que o estatuto coloque esse processo todo na mão do presidente que está na cadeira, é muito desleal. Esperamos participar de um processo eleitoral justo e transparente”.