Em 21 de janeiro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reafirma o compromisso com a laicidade, a diversidade de crenças e a promoção da paz no Brasil
O Brasil, em sua vasta extensão, abriga uma rica diversidade de crenças e tradições religiosas. Junto àquelas que representam as maiores parcelas, como os católicos, protestantes e evangélicos, o país também tem espaço para religiões afro-brasileiras, espiritismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo, tradições esotéricas e indígenas, Testemunhas de Jeová, ateus e agnósticos.
Neste Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa — instituído pela Lei nº 11.635/2007 e celebrado em memória de Mãe Gilda, a Ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, fundadora do terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum e vítima de violências religiosas até sua morte, em 21 de janeiro de 2000 —, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) escutou adeptos de diferentes religiões, que falaram sobre como suas crenças também reforçam a promoção dos direitos humanos no país.
Igreja Evangélica pela inclusão
O pastor evangélico Filipe Gibran, líder da Comuna do Reino em Belo Horizonte (MG), dá exemplos de como a religião pode ser um instrumento de promoção dos direitos humanos. Para ele, o verdadeiro evangelho vai além da pregação religiosa e trata-se de lutar pela justiça social e pela inclusão, não sendo possível pensar em uma espiritualidade que não promova os direitos humanos.
“Ser evangélico é adotar um caminho de paz, alegria e justiça para todas as pessoas. O que importa é qual a boa notícia que estamos dando para os marginalizados, oprimidos, empobrecidos”, afirma, ressaltando o trabalho de sua igreja em prol das comunidades mais vulneráveis.
Atualmente, em parceria com o Sesc Mesa Brasil, ele atende cerca de oito mil famílias na luta diária do combate à fome, abrangendo quase dez ocupações em duas vilas, onde também estão duas casas de arte e cultura com aulas de dança, capoeira, música, robótica, informática, inglês, reforço escolar, balé, entre outras atividades.
Racismo religioso
O bàbálorisá, escritor, mestre e doutor Sidnei Nogueira, defensor das religiões de matriz africana e criador do projeto “Terreiro Vivo”, também reflete sobre a importância de sua religião na luta pelos direitos humanos. Para ele, a intolerância religiosa é uma das formas mais violentas de discriminação no Brasil, e o racismo religioso é um obstáculo constante para os praticantes das religiões afro-brasileiras.
Sidnei, que já foi alvo de ataques a sua fé, entende que sua missão é a de combater estereótipos e promover a conscientização sobre a riqueza cultural das religiões de matriz africana. Nas redes sociais, ele busca contribuir para a formação do público, combater estereótipos e desconstruir as ideias preconceituosas que ainda circulam sobre o Candomblé e a Umbanda a partir de uma perspectiva afrocentrada, que valorize a cultura e a espiritualidade negra.
“A intolerância religiosa não é apenas uma questão de crença, é uma questão de direitos humanos. Quando alguém é atacado por sua religião, está sendo atacado em sua dignidade humana”, afirma.
Ateia em um país religioso
E mesmo quando não se tem uma religião, é possível sofrer com a intolerância religiosa. É o que conta a pedagoga Dirce Souza, moradora de São Paulo que desenvolve projetos sociais voltados à educação e aos direitos humanos em sua comunidade. Ela relata episódios de violência tanto no ambiente escolar quanto em sua vida pessoal, enfatizando o desafio de ser ateia em um país de maioria cristã — segundo a pesquisa Global Religion, realizada em 2023, pelo Instituto Ipsos, apenas 5% dos brasileiros se identificam como pessoas sem crença ou ateus.
“Muitos não conseguiam me enxergar como uma pessoa boa por não compartilhar a crença deles”, ressalta. Para ela, intolerância religiosa se manifesta de forma sutil, mascarada por relações hierárquicas ou pela falta de conhecimento sobre a diversidade de crenças ou a falta dela. Ela defende que o diálogo é essencial para desconstruir preconceitos e ampliar a empatia, e que a laicidade do Estado é fundamental para garantir um espaço de inclusão e respeito nas instituições. “Ao conhecer o outro, suas crenças e práticas, criamos pontes e evitamos os extremos que alimentam a intolerância”, complementa.
Apesar de sua visão crítica sobre as religiões, Dirce Souza reconhece o papel que a fé pode desempenhar na promoção dos direitos humanos. “É essencial não demonizar outras crenças e incentivar encontros ecumênicos que promovam a convivência e o respeito. A religião não deve ocupar os espaços do poder, mas pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa”, conclui.
Valores do espiritismo
Vice-presidente da Comunhão Espírita de Brasília, Maria Luiza Bezerra de Melo traz outra perspectiva importante sobre o papel da religião na promoção dos direitos humanos. Para ela, o espiritismo preza pelo amor ao próximo e pela justiça social, princípios que estão intrinsecamente ligados aos direitos humanos. “O evangelho é o nosso maior estatuto de moral na humanidade. Ele nos ensina que, para vivermos em paz, precisamos aprender a amar”, explica.
Ela destaca que, embora a doutrina espírita seja baseada na busca por esclarecimento espiritual, ela também está profundamente comprometida com a promoção da igualdade, da fraternidade e da solidariedade. “Estamos em um processo de aprendizado, mas um dia chegaremos lá. O mundo vai mudar quando cada um de nós fizer a nossa mudança interior”, conclui Maria Luiza.
Amor e liturgia
Para a publicitária Cássia Dantas, que atuou no movimento “Segue-me”, reunindo jovens de 16 a 23 anos de 40 paróquias da Igreja Católica em Brasília, sua religião também ajuda a promover os direitos humanos por meio de práticas que reproduzem a palavra de Deus.
“O catolicismo é continuidade de amor, de liturgia, os passos de quem veio e que nos ensinou. A gente fala tanto sobre a promoção do bem comum e da paz, e quando a gente atua, a gente consegue promover esses valores”, avalia. Aos 33 anos, afirma nunca ter sido vítima de intolerância religiosa, mas diz já ter presenciado interferências e discussões sobre a religião.
Diversidade religiosa e laicidade no Brasil
Como um Estado laico, previsto na Constituição de 1988, o Brasil deve garantir que todas as religiões — ou a ausência delas — sejam tratadas com igualdade, sem discriminação com base em suas crenças, sendo um fator de enriquecimento cultural, espiritual e social.
Agindo de forma a prevenir que religiões específicas ganhem influência indevida sobre as políticas públicas e a administração estatal, a laicidade também é uma medida de proteção da pluralidade religiosa e da convivência pacífica. Não se trata da ausência de religião no espaço público, mas sim da garantia de que as diferentes crenças possam coexistir sem interferência, respeitando a liberdade de consciência e a dignidade humana.
Com o objetivo de garantir o direito de livre expressão religiosa, o MDHC conta com a Coordenação-Geral de Promoção da Liberdade Religiosa (CGLIB) dentro da estrutura da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH).
Evento em Brasília
No âmbito das ações de promoção da liberdade religiosa, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB), promove o evento “O Papel da Religião para a Promoção da Paz: Construindo Pontes e Entendimentos Mútuos”, em Brasília (DF), nesta terça e quarta-feira (21 e 22). As discussões possuem caráter propositivo, que resultarão na entrega de propostas para subsidiar a elaboração de políticas públicas e ações voltadas à promoção da liberdade religiosa, além da construção de uma cultura de paz.
A pergunta norteadora que visa ser respondida é “Como diferentes religiões ensinam e incentivam a paz?”. O evento é o 2º encontro da série “Diálogos Inter-religiosos, construindo uma cultura de paz” e durante os debates, haverá a formação de grupos de trabalho com temas como a liberdade religiosa e a promoção da paz; justiça social e religiões; convivência harmônica entre religiões; e laicidade e políticas públicas. O primeiro encontro foi realizado em João Pessoa (PB), em novembro do ano passado.
Representantes de diferentes denominações religiosas confirmaram presença no evento, a fim de estabelecer um espaço de troca e avançar no campo da laicidade estatal. Estarão presentes diferentes atores compostos pelo governo, universidades e sociedade civil. Entre as autoridades, já confirmaram presença lideranças metodista, católica, anglicana, budista, indígenas, do Daime e da comunidade Bahá’í do Brasil, entre outras religiões.
Na programação, ainda está prevista performance artística com os dançarinos e coreógrafos Lenna Siqueira e Dilo Paulo, além da exibição do documentário “Alapini: A Herança Ancestral de Mestre Didi Asipa”, vencedor do prêmio de melhor documentário do 41st Philadelphia International Film Festival em 2018, e de episódios da série “Agbara Dudu – Narrativas Negras”, vencedora do edital Ancine.
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Disque 100
Coordenado pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) pode ser acionado por meio de ligação gratuita. O canal de atendimento também recebe denúncias de violações de direitos humanos – inclusive intolerância religiosa – por meio do WhatsApp (61) 99611-0100; Telegram (digitar “direitoshumanosbrasil” na busca do aplicativo); página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Em todas as plataformas as denúncias são gratuitas, anônimas e recebem um número de protocolo para que a pessoa denunciante possa acompanhar o andamento da denúncia diretamente com o Disque 100.
Confira a página do Disque 100