Os novos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ensaiam um novo acordo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para a liberação das emendas parlamentares. As tratativas acontecem em meio às investigações da Polícia Federal (PF) sobre a destinação desses recursos pelos parlamentares nos últimos anos.
Conforme apurou a reportagem com líderes partidários envolvidos nas negociações, Alcolumbre e Motta pretendem levar ao STF uma proposta de acordo já na primeira audiência de conciliação sobre o tema, marcada pelo ministro Flávio Dino no próximo dia 27. O alinhamento entre o senador e o deputado marca uma mudança de postura em relação aos seus antecessores, já que Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL) nunca articularam uma resposta conjunta contra as decisões da Corte.
Segundo Dino, a reunião é necessária para acompanhar a execução das medidas já determinadas pelo STF e para esclarecer eventuais questionamentos sobre as providências adotadas pelo Congresso. O encontro também servirá para compreender o planejamento de ações futuras a serem desempenhadas pelo Executivo e pelo Legislativo.
“A independência de cada Poder não pode ultrapassar as fronteiras demarcadas pela Constituição, sob interpretação final do STF”, afirmou o ministro ao marcar a audiência.
As emendas orçamentárias são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais.
Tanto Motta quanto Alcolumbre já sinalizaram aos seus aliados que não pretendem manter um embate direto com o STF sobre o tema e a ideia é que os critérios de transparência na distribuição das emendas sejam adotados daqui pra frente.
“Eu tenho muita confiança de que esse diálogo que nós podemos estabelecer nos próximos dias, tanto da nossa parte quanto do presidente [do Senado] Davi [Alcolumbre] vai encontrar um modelo que resolva esse imbróglio”, defendeu Motta em entrevista à CNN Brasil.
STF marca primeiro julgamento sobre possíveis desvios de emendas
No final do ano passado, por exemplo, a PF deflagrou a operação Overclean, que apura desvios em um contrato do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). A autarquia foi um dos redutos de indicações das emendas do chamado “orçamento secreto”, as emendas de relator, e o caso foi remetido ao STF no começo deste ano devido às suspeitas envolvendo políticos com foro privilegiado. O caso está sob a relatoria do ministro Kassio Nunes Marques.
Além disso, a Primeira Turma do STF deve analisar no próximo dia 25 o inquérito que acusa os deputados Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), todos do PL, de corrupção na distribuição de emendas. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os parlamentares pediram, “de modo consciente e voluntário”, propina de R$ 1,6 milhão ao então prefeito de São José do Ribamar (MA), José Eudes Sampaio Nunes. O valor seria dado em contrapartida à destinação de recursos público ao município.
A PGR concluiu que os deputados negociaram emendas com a prefeitura de São José de Ribamar, na grande São Luís, em troca de um “percentual” pelos recursos repassados. Segundo a investigação, a propina foi repassada em troca de R$ 6,67 milhão em emendas destinadas ao município.
“Os elementos informativos demonstram, portanto, que os denunciados formaram organização criminosa, liderada por Josimar Maranhãozinho, voltada à indevida comercialização de emendas parlamentares”, diz a denúncia.
Impasse atrasa votação do Orçamento e de projetos do governo no Congresso
O impasse em relação aos recursos das emendas parlamentares já repercute na agenda de votações do Congresso e tem travado, por exemplo, a votação do Orçamento de 2025 e de pautas de interesse do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar da tentativa de acordo por mais transparência, os parlamentares já sinalizaram que não pretendem abrir mão desses recursos.
“Para poder fazer esse diálogo com o Supremo e com o governo, minha defesa pessoal e que levarei ao colégio de líderes: rastreabilidade e transparência têm que avançar. O sistema pode e deve ser aperfeiçoado. O que não pode é querer que o governo volte a ter controle total sobre o orçamento”, defendeu o senador Efraim Filho (PB), líder do União Brasil no Senado.
Na mesma linha, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, afirmou que o Congresso não pode ser “cerceado”. “A recente controvérsia sobre emendas parlamentares ao Orçamento ilustra a necessidade de respeito mútuo e diálogo contínuo. As decisões do Supremo Tribunal Federal devem ser respeitadas, mas é igualmente indispensável garantir que este Parlamento não seja cerceado em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo brasileiro, inclusive, levando recursos e investimentos à sua região”, disse o senador na abertura dos trabalhos no Legislativo.
Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse que acredita no entendimento entre os Poderes para que haja a liberação desses recursos. “Não há imbróglio, o que resolve as emendas é o que está na Constituição. Elas necessitam, como todo orçamento público, de transparência e rastreabilidade. O presidente Davi e o presidente Hugo estão de acordo com isso”, minimizou o petista.
A crise das emendas teve início em agosto do ano passado, quando o plenário do STF referendou uma decisão do ministro Flávio Dino de bloquear o repasse desses recursos até que o Congresso aprovasse novos mecanismos de segurança. Uma proposta foi aprovada e sancionada pelo Lula no final do ano passado, mas o magistrado voltou a cobrar novas medidas e regras, o que desagradou os parlamentares.
Em dezembro, uma decisão de Dino bloqueou cerca de R$ 4 bilhões das emendas de comissão, depois de uma manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o Palácio do Planalto, para a liberação desses recursos. Parte desses recursos foi liberados posteriormente, mas o restante só deve ser pago após os novos esclarecimentos solicitados pelo ministro do STF.