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Preço da comida terá alívio, mas descoordenação atrapalha o governo, diz Lawrence Pih

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O empresário Lawrence Pih, que comandou no passado um dos maiores processadores de trigo do Brasil, avalia que o governo Lula não vai precisar tomar medidas heterodoxas -como as que foram ventiladas nas últimas semanas- para baixar o preço dos alimentos, porque eles se estabilizarão naturalmente.

Isso deve ajudar a estancar a queda na popularidade de Lula, mas o problema é mais complexo, na opinião de Pih. O empresário vendeu o Moinho Pacífico para a gigante multinacional Bunge em 2015, num momento de inflação que o país atravessava, retraindo o consumo de itens da cesta básica, como farinha e macarrão.

Hoje, na opinião dele, a economia dá sinais de que progrediu modestamente sob Lula, mas o governo se atrapalha.

Pih, que também ficou conhecido como um dos primeiros empresários a apoiar o PT nos anos 1980, e depois um dos primeiros a criticar a gestão de Dilma Rousseff publicamente, avalia que a comunicação é um dos principais nós do terceiro mandato de Lula

“Com o constante embate público de visões díspares, dá a impressão de descoordenação e ineficácia do governo. O quadro econômico é até razoável, porém, o PT não consegue faturar o benefício. Temos de lembrar que a sociedade brasileira é majoritariamente conservadora, e um partido de esquerda sempre instila desconfiança”, diz.

PERGUNTA – O sr., que ficou conhecido como um dos primeiros empresários a apoiar o PT nos anos 1980 e, depois, um dos primeiros a fazer críticas públicas a Dilma, o que está achando deste governo Lula?

LAWRENCE PIH – O PT recebeu uma herança pesada do governo Bolsonaro e uma tentativa de golpe. Passados dois anos, a dívida pública federal subiu para R$ 7,2 trilhões, inflação caiu para 4,83%, dólar subiu para R$ 5,9, desemprego caiu para 6,6% e houve ganho real nos salários. A dívida líquida do setor público ficou em 61,1% do PIB nada de muito preocupante. A economia, de forma geral, progrediu modestamente.

Lula vem, neste terceiro mandato, avançando no discurso mais populista. Algumas medidas têm viés populista e não cabem no orçamento. Aumento do salário mínimo acima da inflação, PEC da Transição, reajuste do funcionalismo, Minha Casa Minha Vida, desoneração dos combustíveis, aumento da isenção de IR, aumento de bolsa para estudantes, Auxílio Gás etc, todos são necessários, porém, não há recursos suficientes. A manutenção da desoneração tributária às empresas imposta pelo Congresso e o reajuste dos aposentados acima da inflação, que é determinado por lei, são gastos que pressionam o orçamento do governo.

P – Em entrevista a jornalistas na semana passada, Lula disse que não teve rombo fiscal no governo dele e afastou a ideia de novas medidas fiscais por ora. Quais são as suas previsões depois das novas falas do presidente?

LP = De fato, 2024 terminou com déficit de R$ 43 bilhões ou 0,36% do PIB. A catástrofe no Rio Grande do Sul gerou gasto adicional. Houve déficit primário em 2024, porém, nada dramático.

A percepção um pouco exagerada do desarranjo fiscal levou os agentes econômicos a pressionarem a desvalorização do real, e turbinado pelo fluxo normal para o exterior nos últimos meses do ano proveniente de remessa de lucros das multinacionais, foi muito além do que os fundamentos justificam.

Em 2024, o real se desvalorizou, mesmo queimando reserva. A inflação é uma consequência natural. O governo pecou foi na comunicação desastrada. Lula, dia sim, dia não, sugeria gastos adicionais com a ajuda da ala mais à esquerda do partido. O mercado reage e pressiona o real, que obriga o Banco Central a aumentar o juro primário, piorando o quadro fiscal num círculo vicioso. A expectativa é de uma safra de grãos recorde, valorização do real. E o governo reduzindo a narrativa populista, sem falar do fogo amigo da ala esquerda pré-histórica representada por Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e companhia, contra a equipe econômica, seria providencial.

P – O que daria para fazer para contornar a alta no preço dos alimentos sem tomar medidas desastradas?

LP – Os preços dos alimentos se estabilizarão naturalmente sem medidas heterodoxas. A previsão da safra deve atingir recorde. Soja e milho são usados como ração animal para a produção de toda a cadeia de proteína animal. Uma safra abundante é crucial para estabilizar os preços das carnes.

Com um câmbio mais acomodado, o preço dos principais alimentos tende a se estabilizar. Não haverá necessidade de medidas heterodoxas como subsídios que agravariam o quadro fiscal.

P – Isso vai bastar para reverter a queda na popularidade de Lula?

LP – Pode ajudar a estancar a queda. Mas não é só o preço dos alimentos. A questão é mais complexa. Um dos problemas é a comunicação do governo. Com o constante embate público de visões díspares, dá a impressão de descoordenação e ineficácia do governo.

O quadro econômico é até razoável, porém, o PT não consegue faturar o benefício. Temos de lembrar que a sociedade brasileira é majoritariamente conservadora, e um partido de esquerda sempre instila desconfiança. O mundo caminha para o conservadorismo, a direta e certo grau de autoritarismo. Este fenômeno é global. A globalização tem muito a ver com este movimento.

P – O que o sr. achou do tom menos indignado de Lula sobre a alta dos juros, agora com Galípolo no BC? Causa estranhamento se comparado às críticas que eram feitas aos juros na gestão Campos Neto? E a reação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que também foi mais branda?

LP – O Roberto Campos Neto pôs o boné de político quando manteve o juro artificialmente baixo por meses em 2022 para ajudar Bolsonaro na eleição. Uma vez que Lula venceu, ele metamorfoseou e colocou o boné de técnico. Galípolo tem mantido o perfil relativamente técnico e elevou juro primário sinalizando mais uma alta no próximo Copom.

Gleisi Hoffmann e companhia têm mantido silêncio sepulcral. Faz parte do fazer política, e todos os partidos usam a mesma estratégia. Faz parte da politicagem rasa. Além disso, Campos Neto, bolsonarista convicto, é adversário político do PT.

P – Em um evento recente do mercado financeiro, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, chamou de fraco o ministro da Fazenda Fernando Haddad. O sr. acha que ele perdeu força?

LP = Haddad vem sendo questionado pela ala mais à esquerda, e Lula tem, em várias ocasiões, apoiado essa narrativa.

Lula tem a responsabilidade de demonstrar sensibilidade social e responsabilidade econômica. Haddad, por outro lado, é responsável pela economia, e nem sempre as medidas que são necessárias agradam a população. Lula aloca o custo político de medidas amargas na conta do Haddad. Não acredito que Haddad está sendo enfraquecido, pois Lula tem pleno conhecimento das dificuldades que Haddad enfrenta.

Há no PT uma disputa na surdina entre Rui Costa e Haddad pela candidatura petista a presidente em 2026. O fato do Sidônio Palmeira, aliado de Rui Costa, assumir a Secom é indicativo da movimentação interna no PT. E ele já começou a se movimentar a favor de Rui Costa. Lula não será candidato em 2026. O quadro de um embate entre Haddad e [o governador de SP] Tarcísio de Freitas é possível e até provável.

P – Quais impactos o Brasil sob Lula deve esperar com Trump de volta à Casa Branca?

LP – Trump tem ojeriza à esquerda. A política dele de America First impactará quase todos os países. Os primeiros alvos são Canadá e México, importantes parceiros comerciais no USMCA [Acordo EUA, México e Canadá, na sigla em inglês].

A melhor descrição do Trump é a de que ele é uma metralhadora giratória sem estratégia, plano ou conhecimento de economia e geopolítica, movido a impulsos erráticos.

Suas bravatas têm validade curta. Trump se defrontará com a realidade econômica e geopolítica mundial. O relacionamento dele com Brasil, sem dúvida, será complicado, porém, somos só um alvo entre muitos. A lista é longa.

RAIO-X | LAWRENCE PIH, 81

Graduado em filosofia pelo Lafayette College (EUA), mestre em filosofia pelo Four-College PhD Program, pela University of Massachusetts, foi presidente do Grupo Pacífico e hoje atua como investidor

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