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Pragmatismo de Bolsonaro coloca grupos da direita em conflito

A atitude pragmática do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em declarações recentes tem colocado grupos da direita em conflito nas redes sociais. O posicionamento de Bolsonaro em relação às candidaturas para as presidências do Senado e da Câmara é o principal motor recente da discórdia.

O apoio do ex-presidente a duas figuras do Centrão – Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Senado, e Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara – incomoda alguns de seus aliados e apoiadores mais antigos; para outros, essa escolha é vista como estratégia política indispensável ao contexto atual.

A polêmica se intensificou depois que figuras da direita decidiram confrontar o Centrão e lançar suas candidaturas às presidências das Casas. No Senado, Eduardo Girão (Novo-CE) e o Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) resolveram entrar na disputa, enquanto na Câmara o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) se candidatou.

Na semana passada, Bolsonaro criticou Pontes abertamente, acusando-o de ingratidão. “É esse o meu pagamento? Se não conseguimos ganhar com o Rogério Marinho (PL-RN) [candidato nas eleições anteriores], que é um baita de um articulador, não vai ser com você agora. Pega mal para todos nós, né? ‘Blá, blá, blá, o Bolsonaro, não sei o que lá’. Pelo amor de Deus, homem, é a realidade. Boa sorte a você, mas isso não é um trabalho de equipe”, disse.

Girão e Van Hattem não chegaram a ser criticados por Bolsonaro, mas têm sido acusados de traição por alguns influenciadores de direita nas redes sociais por não terem aceitado entrar no acordo pela eleição de Alcolumbre e Motta; ao mesmo tempo, alguns direitistas os elogiam por não ceder à visão pragmática.

“Essa história de pragmatismo sempre foi um grande equívoco”, disse Girão em um vídeo recente. “Não é colaborando e fazendo acordos com o sistema – na verdade, o regime Lula-STF – que nós vamos derrubar este aparelhamento que aconteceu no Estado brasileiro.”

A disputa no Congresso é só uma das situações que têm motivado a rivalidade interna na direita. Nas eleições de 2024, em algumas prefeituras, Bolsonaro preteriu candidatos direitistas por convicção, pensando em facilitar acordos com o Centrão, como no caso de São Paulo, em que a candidatura do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) foi descartada após um acordo do PL com o MDB do atual prefeito Ricardo Nunes. Quando alguns direitistas – entre eles, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) – resolveram, meses depois, apoiar Pablo Marçal (PRTB), os que defendem a necessidade de pragmatismo reagiram acusando-os de traição.

Mais recentemente, Nikolas voltou a ser criticado pela ala pragmática por não se manifestar a favor da composição com o Centrão.

No dia 22, o deputado fez uma postagem no X sinalizando apoio à PEC de Eros Biondini (PL-MG) para reduzir a idade mínima para concorrer ao Senado e à Presidência da República de 35 para 30 anos. Em resposta a esse tuíte, o jornalista Kim Paim – que, entre os influenciadores de direita com mais seguidores, tem sido o principal defensor do pragmatismo de Bolsonaro – fez uma crítica implícita ao silêncio de Nikolas, dizendo que o deputado só chegou à Presidência da Comissão de Educação por causa da composição com o Centrão.

“Nikolas, os políticos do PL estão apanhando porque muitas pessoas não entendem como funcionam as eleições legislativas e os impactos delas. Elas não entendem que você só presidiu a comissão de Educação porque o PL apoiou o [Arthur] Lira [presidente da Câmara]. Seria muito bacana você ajudar a explicar o tema pro povo”, falou Kim. Nikolas respondeu no dia seguinte com um emoji de biscoito. Na linguagem das redes, isso é um jeito de dizer que alguém está tentando chamar a atenção.

Ricardo Salles entrou na briga e respondeu a Kim: “Explica também que foi justamente o Lira, apoiado pelo PL, que matou o projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro, ao remetê-lo a uma suposta e nunca criada comissão especial. Esse seu pragmatismo de conveniência não se sustenta para quem conhece a realidade de verdade. Talvez engane alguns incautos e desinformados, mas não resiste aos fatos”.

Na segunda-feira (27), uma postagem do ex-deputado Deltan Dallagnol apoiando Marcel van Hattem para a Presidência da Câmara e apontando o isentismo de Hugo Motta em pautas essenciais à direita recebeu milhares de curtidas, mas também foi intensamente criticada pelo grupo dos pragmáticos.

Entre os críticos estava Kim Paim, que xingou Dallagnol e disse (sic): “Não existe NENHUMA chance do teu candidato ter 257 votos. Como tu consegue ser tão manipulador assim? Por que você quer tirar as 4 comissões do PL? Por que você quer entregar tudo pro PT e pro Centrão? Tuas cadelinhas estão aí, mas também tem gente pra te expor”. Dallagnol respondeu com um emoji de biscoito.

Apoiadores pragmáticos de Bolsonaro são acusados de fisiologismo por rivais, que ganham apelido de “intergalácticos”

Acusados de fisiológicos, os pragmáticos chamam seus rivais internos da direita de “intergalácticos”. Em novembro do ano passado, Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, fez um vídeo de duas horas sobre o embate entre os dois grupos.

Araújo comparou a divisão da direita à luta entre Obi-Wan Kenobi e Anakin Skywalker na série de filmes Star Wars: Anakin, mesmo com justificativas que poderiam parecer razoáveis, acaba cedendo à tentação de aliar-se ao lado sombrio da força, dando o passo para se tornar o vilão Darth Vader.

O ex-ministro lembra que, ao ser confrontado por Obi-Wan, Anakin minimiza a diferença entre o bem e o mal, afirmando que o segundo lado não é tão mau como seu mestre imagina. Diante da recusa de Obi-Wan em aceitar essa visão, Anakin decreta que qualquer um que não esteja ao seu lado é, automaticamente, seu inimigo.

Araújo relaciona esse momento de Star Wars com a direita brasileira atual: “É a mesma luta. Hoje está bastante claro de que lado está a liberdade e de que lado está a tirania”.

No vídeo, Araújo critica a adesão ao sistema por parte de algumas lideranças da direita, sem incluir Bolsonaro. Para ele, “o ex-presidente Bolsonaro não se tornou ainda, mas está em vias de se tornar aquilo que ele queria destruir”.

Já para o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB), o pragmatismo de Bolsonaro mostra sua maturidade política.

“A questão ideológica está ali, guardada. Você usa no momento que deve usar. Agora, talvez, não seja o momento. Por que o PT não lançou candidato próprio? Porque ele achou que era mais interessante fazer parte de um grupo do que concorrer sozinho e não ter acesso a nada. Por que um lado pode fazer isso e o outro não? Eu acho que isso é fruto de uma maturidade política”, afirma.

Caldas considera que não faria sentido, no atual contexto político brasileiro, Bolsonaro apoiar uma candidatura com pouca chance de vitória, como a de Marcel van Hattem, para a Câmara. “Para o Bolsonaro, abandonar um acordo e apoiar uma candidatura – no bom sentido, sem ofensa – tipo Dom Quixote, como a do Van Hattem, é uma coisa que já não o atrai tanto.”

O cientista político Paulo Kramer diz que Bolsonaro “viu a importância do pragmatismo” quando, dois anos atrás, o PL ficou sem cargos na mesa da Presidência do Senado. “Isso influenciou bastante o pensamento do Bolsonaro. Ele, na verdade, é um sujeito que, pela sua experiência na Câmara dos Deputados e depois na Presidência da República, viu a importância do pragmatismo”, afirma.

Para Kramer, as consequências do pragmatismo para a direita dependem muito do que for feito após as eleições no Congresso.

“Depende do uso que os seguidores do Bolsonaro na Câmara e no Senado pretendem fazer desse pragmatismo. Se eles quiserem jogar o jogo que sempre foi jogado, o chamado ‘pacto do me solta que eu te largo’, aí realmente a tendência é eles serem absorvidos pelo oportunismo do Centrão. Agora, se esses liderados do Bolsonaro, tanto na Câmara quanto no Senado, aproveitarem a visibilidade maior deles pelos cargos da mesa que vierem a conquistar, eles podem, sim, fazer a diferença. Por exemplo, clamando por anistia para os presos do 8 de janeiro, pela reforma dos regimentos internos da Câmara e do Senado – que hoje dão aos respectivos presidentes um poder desproporcional, sobretudo no que diz respeito a colocar em votação pedidos de impeachment – e também pelo impeachment, tanto do presidente Lula, que começa na Câmara, quanto dos ministros do Supremo, que é uma atribuição do Senado”, comenta.

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