Data e Hora

Indígenas protestam em Belém em clima de “pré-COP”

Indígenas de pelo menos 22 comunidades do Pará se mobilizam no prédio da Secretaria de Educação do Pará, no distrito de Icoaraci, em Belém, desde o último dia 14 contra a lei nº 10.820/2024. A medida altera o plano de gratificações do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), criado para levar educação presencial a regiões de difícil acesso no Pará, como áreas rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

Uma vertente específica, o Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), adapta esse modelo à realidade sociocultural dos povos originários, com a oferta de aulas presenciais e materiais didáticos calcados em saberes locais, línguas nativas e tradições de cada etnia. Os manifestantes pedem a exoneração do secretário estadual da Educação, Rossieli Soares.

Embora o governo estadual assegure a continuidade das aulas presenciais nas aldeias, lideranças indígenas dizem que, na prática, as mudanças podem forçar a substituição desse modelo por ensino remoto ou deslocado para áreas urbanas. Outro ponto de contestação é a reformulação das gratificações dos educadores, que antes eram fixadas em R$ 7 mil e agora podem variar entre R$ 1 mil e R$ 7 mil, de acordo com quatro níveis de complexidade definidos pela localização. A incerteza sobre os novos valores paira porque os critérios para essa classificação ainda não foram regulamentados.

A lei foi aprovada em 19 de dezembro, no encerramento do ano legislativo, durante uma votação fechada marcada pela repressão da Polícia Militar, que usou balas de borracha e spray de pimenta contra professores estaduais. Para os indígenas, a mudança pode, na prática, inviabilizar a educação nas aldeias e em regiões remotas. As gratificações são consideradas necessárias para viabilizar a logística das viagens dos professores às comunidades indígenas, rurais e ribeirinhas, cobrindo despesas como transporte, hospedagem, alimentação, combustível e até a produção de materiais pedagógicos.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a lei, argumentando que a medida compromete a continuidade da educação escolar indígena. A ação, encaminhada à ministra Cármen Lúcia, destaca que a medida extingue políticas educacionais voltadas para regiões do interior sem ensino regular, substituindo o modelo presencial por aulas online.

“A associação afirma que, com essa revogação, o chamado Sistema Modular de Ensino Indígena desapareceu da legislação estadual, provocando um cenário de insegurança jurídica. O pedido liminar é para que sejam afastadas interpretações da lei que não incluam a educação indígena e suas especificidades”, acrescenta o STF na nota.

Questionado pela reportagem da Gazeta do Povo, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 2 manifestou em nota apoio incondicional às comunidades indígenas que estão mobilizadas na ocupação da Seduc. “Essa lei representa uma ameaça significativa aos direitos e interesses dos povos indígenas do Brasil. É crucial destacar a perda de autonomia que a lei implica. Ela impõe um modelo educacional padronizado que não respeita a rica diversidade cultural e linguística dos povos indígenas. A autonomia na gestão educacional é vital para que as comunidades possam ensinar e preservar suas tradições, línguas e saberes, elementos essenciais para a identidade e continuidade de suas culturas”, diz a organização.

Outro ponto crítico da lei, de acordo com a organização, está na formação de professores, com diminuição do número de docentes indígenas e a falta de capacitação adequada para os não indígenas. “Diante dessas ameaças, as comunidades indígenas ocuparam a Seduc em Belém, exercendo seu direito legítimo de protesto contra políticas que afetam sua cultura e autonomia. A ocupação de espaços públicos é uma forma de resistência para garantir que suas vozes sejam ouvidas e suas reivindicações atendidas.”

A Associação Extrativista do Rio Kabitutu Wuyxaximã também expressou repúdio à decisão do governo do Paraná, a quem acusou de vender uma imagem fictícia de modernização e de preservação ambiental. “É evidente que o atual governo do estado do Pará negligencia suas responsabilidades em relação aos povos indígenas, às comunidades ribeirinhas, quilombolas e demais povos do campo. Enquanto busca vender uma imagem fictícia de modernização e preservação da Amazônia para instituições internacionais, a realidade é de desrespeito aos nossos direitos fundamentais e às demandas educacionais básicas”.

O órgão defende que “como sede da maior conferência mundial sobre as mudanças climáticas, a COP-30, o governo deveria estar priorizando políticas efetivas para garantir a proteção da Amazônia e os direitos dos povos indígenas. Em vez disso, suas ações contradizem esses objetivos, promovendo medidas que prejudicam diretamente nossos modos de vida e nossa existência”.

O governo do Pará informou, em nota de resposta às questões da Gazeta do Povo, que “na noite de terça-feira (28) e início da madrugada desta quarta-feira (29), ao longo de 4h30 de reunião, o governador Helder Barbalho e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, estiveram com lideranças indígenas buscando avançar nas reivindicações e na construção coletiva da Política Estadual de Educação Escolar Indígena”.

O governador apresentou proposições para compor a Política Estadual de Educação Escolar Indígena. Entre elas: a criação de Conferências Indígenas para debater o Projeto de Lei que vai criar a nova Política; a garantia do bilinguismo e suas especificidades na metodologia de ensino, concurso público específico para os povos indígenas, criação do Conselho Estadual de Educação Indígena, teto da gratificação do Somei e assegurar a gratificação de nível superior de 80%. Ele reafirma que o estado segue aberto ao diálogo.

Contatado pela Gazeta do Povo, o Ministério Público Federal do Pará alega que enviou recomendação para que o governo do Pará adote medidas para promover representatividade adequada aos povos indígenas nas discussões e iniciativas relacionadas a políticas públicas e propostas legislativas sobre educação.

O documento também pede a suspensão imediata das atividades do grupo de trabalho criado pelo governo estadual para regulamentar a Política  Estadual de Educação Escolar Indígena, por considerar que a iniciativa não tem representação adequada dos povos indígenas. O órgão também é contrário à oferta de educação a distância para comunidades do campo.

República

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